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Receita para um Passeio de um Casal Idoso

Eu e a mulher da minha vida somamos, juntos, 137 anos de idade. Sair de casa para enfrentar o desconhecido precisa de uma injeção de ânimo que vai além do mero apelo da novidade. É necessário um suporte de fora.

Isso tem ocorrido conosco ultimamente, e se tornou a substância que nos motiva e nos coloca fora de casa, nos dá o empurrão necessário. Duas vezes por ano nos deslocamos para Ubatuba, para a praia das Toninhas, em um grupo que da última vez chegou a mais de 20 pessoas, Chegando lá tem nos aguardando um quiosque na beira da praia, onde tocamos samba das 11 às 5 da tarde. O quiosque anuncia no Facebook a nossa chegada e vem gente de várias partes do Estado. Nesse caso não sei bem se nosso grupo opera como agente ou receptor dessa energia adicional que nos põe fora de casa.

Meses atrás, em maio passado, convidamos um casal amigo, Roberto e Mônica, para passar um fim de semana conosco em Gonçalves, MG. Eles moram no Rio e estavam visitando o Inhotim em Brumadinho. São 430 quilômetros de viagem, fora o fato de que eles teriam um viagem de volta ao Rio mais longa, mas eles toparam na hora e posso dizer que tivemos um fim de semana fantástico. Conheço Gonçalves de longa data e queria mostrar ao casal amigo as atrações dessa cidade minúscula plantada na Serra da Mantiqueira.
Nossa relação com esse casal vem de longa data. Ele esteve presente em muitas datas importantes de nossas vidas: os 100 anos de meu Pai, meus 70 anos. Posso dizer que ele tem uma qualidade que eu acho necessária a uma forte identidade de casais, que eu chamaria a "amizade quadrangular", onde cada lado tem uma forte identidade com o outro: Luiz é amigo de Roberto e Mônica, e Climene é amiga de Mônica e Roberto, e eu tenho quase certeza de que a recíproca é verdadeira.

Dia 4 passado nos convidamos a ir ao Rio visitar o casal. Eles possuem uma casa em Itaipava e um apartamento na Lagoa, no Rio. Normalmente pegamos o voo para o Galeão, onde o casal nos espera e nos leva para Itaipava, só que dessa vez apenas o Roberto estava lá nos esperando, já que eles tinham subido no dia anterior. No Sábado, como de costume. eles tiveram que se submeter à minha pretensa habilidade culinária e enfrentaram um galeto ao forno, com um risoto de frango defumado (que acabou por mascarar o galeto) e um purê de mandioquinha.
No Domingo fizemos uma visita fantástica ao Museu da Cerveja, na antiga fábrica da Cervejaria Bohemia, em Petrópolis, que me impressionou com os recursos tecnológicos. Lá eu li uma frase que me chamou a atenção e que eu replico aqui:
Como a foto não ficou boa vamos repetir:
Descobrir é a grande vocação do homem.
O que o homem ainda não descobriu, chama de divino. O que está prestes a descobrir, ciência. O que já descobriu, invenção. 

Almoçamos em um lugar maravilhoso, uma pousada no centro da cidade,
e seguimos para o Rio. Na Segunda Monica tinha uma consulta médica e o Roberto nos levou à Nova Praça Mauá. Infelizmente era Segunda e os museus da Praça estavam fechados, mas só vê-los por fora já valeu a visita:

No entanto o ponto alto da ida ao centro foi a visita ao Mosteiro de São Bento:
Essa visita é restrita à Igreja Nossa Senhora de Montserrat, mas acho que toda visita à Praça Mauá deve incluir essa Igreja. Ela, embora pequena, não fica nada a dever às grandes igrejas que conheci na Europa.

Pra matar a saudade do tempo em que trabalhei no Rio, almoçamos no Degrau, um restaurante que costumava frequentar no Leblon. À noite havia um programa especial: o Samba do Trabalhador no Clube Renascença, no Andaraí:
Quando morei no Rio em 2001 me tornei um frequentador assíduo da Vila Isabel, e o Andaraí fica ao lado. Fundado em 1951 em Lins de Vasconcelos, outro bairro da Zona Norte do Rio, por 29 negros da classe media cansados de serem rejeitados como sócios nos clubes do Rio, o Renascença tornou-se um reduto de resistência da cultura negra. Em 1958 se transferiu para o Andaraí, onde passou a ser palco de grandes rodas de samba e concursos de beleza negra. Pessoas famosas o frequentavam, como João Saldanha, Jaguar e Vinícius de Moraes.

Impressionou o meu amigo a grande miscigenação no grande salão do Renascença. Já tinha tido essa experiência quando levei meu cunhado Rogério, morador de São Conrado na ocasião, ao Rio Scenarium Pavilhão da Cultura, na Rua do Lavradio. O Rogério só ia à Zona Norte ou ao centro para pegar avião no Galeão ou ir pro seu sítio em Nogueira. O fato é que fomos bem recebidos no Renascença, comemos linguiça e caldo de feijão e bebemos cerveja.

O Samba do Trabalhador acontece toda Segunda, das 4 da tarde às 10 da noite. Conduzido por Moacir Luz, o qual pelo que entendi escolheu a Segunda por ser esse dia o que mais facilitaria a ocorrência de "canjas". Isso porque em geral na Segunda as casas de show costumam fechar.

Saindo do Andaraí, de volta pra Lagoa Rodrigo de Freitas, que fica em outro país, pedi ao taxista pra dar uma parada na estátua que homenageia Noel Rosa, a qual fica em uma pequena praça na Vila Isabel. A estátua se refere ao samba "Conversa de Botequim", em que Noel discute com o garçom e faz pedidos tais como "feche a porta da direita com muito cuidado, pois não estou disposto a ficar exposto ao sol":
A estátua estava depredada. Arrancaram os braços esquerdos de Noel e do garçom, além do sapato direito de Noel:
Nós quatro, que tínhamos acabado de sair de um Brasil miscigenado, onde tudo era alegria, onde parecia que não havia crise, onde tinha comprado colares para Monica e Climene de Dona Silvia, uma senhora negra simpaticíssima (que me achou "encantador"), onde tinha ganho um livro do Roberto sobre a História do Samba do Trabalhador, estávamos de volta ao "Brasil Real", aquele que não respeita os seus ídolos. Depredar a estátua de Noel em Vila Isabel é a maior vilania que se pode cometer.

Isso me levou ao dia em que visitei a estátua de Gardel:
É costume dos visitantes manter sempre aceso um cigarro entre os dedos de sua mão direita. Noel é tão grande quanto Gardel, mas este viveu em um país que com certeza não vai nunca arrancar a sua mão.

P.S.: A Monica pediu nos comentários uma explicação melhor para a "amizade quadrangular". A amizade entre casais tem que ter as seguintes afinidades:
  • Primeiro os casais têm que ser harmônicos, o que explica as conexões verticais da figura. 
  • Em seguida os homens e as mulheres têm que ser amigos e amigas, e que explica as conexões horizontais.
  • Porém para o casal ser amigo as diagonais também são necessárias.
Chamei essa figura de "quadrangular", mas é claro que pode existir um nome melhor. Tenho grandes amigos onde essas linhas não se completam. O mesmo ocorre com a minha mulher.




Comentários

  1. caro amigo Luiz: que bom ler este seu relato do fim de semana carioca que foi maravilhoso também para mim e Monica. Minha relação com o Rio tem tidos seus altos e baixos. Ver a depradação da estátua do Noel foi um dos baixos mas adorei ter revivido alguns pontos altos com você a querida Climene. Tem mais, voltem em breve. Forte abraço Roberto

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  2. Querido amigo Fonte, uma das vantagens de sermos "idosos" é o fato da gente não precisar explicar nada aos amigos de longa data quando se reencontra. Basta um sorriso, a lembrança de outros momentos compartilhados, um gesto qualquer... e pronto! Já entendemos direitinho o que o outro quis dizer. Em dois tempos nos sintonizamos e começamos a curtir a nossa convivência, como se o tempo e a distância geográfica não tivessem se metido pelo meio. Assim foi o nosso último fim-de-semana em Petrópolis e no Rio de Janeiro, que você tão bem descreveu neste texto. Só não entendi muito bem essa tua descrição geométrica da nossa "amizade quadrangular". Depois você desenha para mim! ;-) Beijos para você e para a Climene!

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    Respostas
    1. Cara Mônica
      Tive que editar o texto para explicar o que talvez tenha uma denominação melhor que "quadrangular". Veja em P.S.

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