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A China e a América Latina

O equilíbrio do poder mundial estava há décadas em uma situação de total tranquilidade. De um lado os Estados Unidos com sua força econômica descomunal, do outro a Comunidade Européia com suas contradições, onde apenas a Alemanha tem um governo sério. Isso para a América Latina foi muito ruim, uma vez que a Europa nunca a levou em conta e os Estados Unidos há muito a vêm cozinhando em fogo lento, dado que eles a consideram estrategicamente irrelevante.

Nada como a entrada de um novo personagem para tornar o jogo mais emocionante: a China. Trata-se de um país carente de recursos, altamente tolerante ao risco e indiferente quanto as políticas públicas e sociais de seus interlocutores. Em função disso ela é hoje o primeiro ou segundo maior importador do Brasil, do Chile, do Peru, do Uruguai, de Cuba e da Venezuela. Ao mesmo tempo ela se tornou o principal investidor da região, e em alguns casos o único, nos países abandonados pelos investidores internacionais.

Esse fato despertou nos líderes latino americanos uma nova maneira de encarar a condução de seus países: recorrer ao "modelo chinês". Isso teve início em Cuba. Quando Fidel Castro chamou Deng Xiaoping de "uma caricatura de Hitler", em virtude das reformas econômicas por ele iniciadas, não imaginava que seus herdeiros viessem a comemorar e seguir o exemplo chinês.

É claro que replicar o milagre econômico chinês na América Latina não será possível, principalmente devido à diferença dos valores culturais, mas o que se pretende é imitar o modelo político com o falso argumento que que ele nos levará à prosperidade. Com isso o populismo, a praga que nos persegue há séculos, pode vir a entrar em uma fase de declínio, cedendo lugar ao autoritarismo.

Os governos populistas não têm como virtude tomar decisões de longo termo, na sua maioria impopulares. Eles também entram em colapso facilmente quando seus líderes carismáticos morrem ou quando entram em falência (vide Venezuela e Argentina). No entanto a disponibilidade da China como um investidor que não cobra retornos de valores democráticos deve levar a América Latina a imitar o modelo chinês, porque inevitavelmente esta será a contrapartida a ser cobrada, já que governos populistas não são confiáveis. O que deve acontecer é uma gradual migração para um modelo hegemônico, de partido único, moderadamente corrupto e aberto ao mercado, onde os governantes passarão a operar livres de opositores, de uma imprensa independente e das forças da sociedade civil.

O atendimento constante às aspirações da base eleitoral tende a perder importância com o tempo. A consolidação do poder passará a ser feita através da burocracia partidária e o crescimento econômico através do financiamento externo chinês. Com isso o populismo migrará para um capitalismo autoritário. Estamos acompanhando este processo, a começar pelo uso de uso por parte dos governantes de subterfúgios na aprovação de leis que aumentam o período de seus mandatos, ou pela imposição de "postes" como seus substitutos (exemplos claros são Dilma Roussefff e Cristina Kirchner).

Mesmo na Venezuela esse movimento vem sendo observado. Cito este país porque ele, quando Chávez era vivo, era a mola mestra da revolução bolivariana. Isso já mudou e Nicolás Maduro, que não possui o carisma de Chávez, não pode continuar sua política de fazer promessas utópicas com resultados pífios. Ali a tendência atual é a de uma diminuição dos gastos sociais e dos subsídios do petróleo. Com isso a popularidade de Maduro caiu para algo em torno de 35%, o que é impensável para um regime populista mas mas totalmente aceitável para um regime autoritário. Caso ele venha a sobreviver vai dever isso à China.

Mas e por aqui, como andam as coisas? Mal, mas poderiam estar bem pior. Isso porque, graças à nossa presidentA o projeto chinês do PT está fazendo água. O PT nunca engoliu o poste imposto por Lula, e o seu presidente Rui Falcão é hoje, atrás de Marina Silva, o número dois na lista negra de Dilma. Falcão é, paradoxalmente, o coordenador da campanha do PT, mas seu hobby preferido é exaltar as qualidades de Lula. Para causar constrangimento ao Planalto ele foi o responsável pela instalação da CPI do Cachoeira, criada para investigar a atuação do bicheiro Carlinhos Cachoeira e sua ligações ilegais com agentes públicos e privados envolvidos no crime organizado. Ele critica abertamente a condenação de seus companheiros no processo do mensalão, assunto do qual Dilma sempre tentou se manter distante.

Mas o pior é que ele é o principal articulador do projeto de regulamentação da mídia, e junto com Franklin Marins forma a dupla de Petralhas encarregada de levar adiante esse projeto chinês de poder. Dilma assiste a isso sem a coragem de se declarar, como candidata que é, contrária ao projeto. Ela não rechaça a postura do PT e até defende uma "regulação econômica" dos meios de comunicação.

Outra iniciativa chinesa é o decreto bolivariano de criar os "conselhos de participação social", o qual iria influenciar as decisões de governo. A mídia tem relacionado essa iniciativa com a criação dos "sovietes" russos, medida através da qual os comunistas tomaram o poder. Eu não estou entre os que entendem que o PT ainda tem um ideário comunista; na realidade o que estou vendo é mais uma iniciativa chinesa de alijar do poder os nossos representantes democráticos, colocando nesses conselhos pessoas alinhadas com o seu projeto de poder.

Acho que ainda vamos agradecer a Dilma o fato de ter levado o seu governo a uma situação em que uma sonhática e um tucano até que bem intencionado, no qual vou votar no primeiro turno, têm condição de interromper esse estado de coisas.

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