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O FIES Australiano

Estou em Melbourne, Austrália, desde o dia 25/04, devendo retornar ao Brasil dia 08/05, com parada de dois dias em Abu Dhabi. Vim visitar minha filha mais velha, meu genro e meus dois netos. Ambos os netos estão cursando universidade em Melbourne, e ambos participam de um programa de financiamento estudantil do qual eu já falei neste Blog, mas como estou aqui resolvi me aprofundar mais no assunto.

Meu neto mais velho está cursando o 3º ano de Economia e o mais novo entrou agora no curso de Engenharia Elétrica. Eles estão enquadrados no programa CGS (Commonwealth Grant Scheme), cujo site contendo as "guidelines" é o descrito abaixo:

https://education.gov.au/higher-education-loan-program-help

Na Austrália, por se tratar de um país "pobre", ao contrário do nosso que é rico, todos pagam a universidade, com muito poucas exceções. O programa CGS garante financiamento a todas as universidades públicas. Já para as universidades privadas apenas os cursos aprovados pelo governo têm o financiamento garantido pelo mesmo. Os cursos técnicos, considerados de grande importância, não estão incluídos no programa CGS. O governo nesse caso financia o empregador, que paga o curso para o empregado.

Vamos tentar raciocinar de forma diferente, entendendo a universidade, mesmo a pública, como uma empresa. Ela vai possuir um orçamento, e com base nele vai definir o custo de cada curso que oferece, e com base nesse valor vai definir o valor a ser pago pelo o aluno. No início do semestre letivo ela envia para o aluno a fatura daquele semestre.

Meu neto mais novo entrou na Swinburne University of Technology este ano. Ele recebeu a fatura do primeiro semestre do curso de Engenharia Elétrica, e tinha que tomar a seguinte decisão:
  1. Assumir o compromisso de pagar a fatura. Nesse caso ele teria um desconto de 20% sobre a mesma. Por exemplo, um semestre de AU$ 5.000 sairia por AU$ 4.000 (dólares australianos)
  2. Pagar no mínimo 20% da fatura. Ele também teria um desconto de 20% sobre a mesma. Por exemplo, no mesmo curso ele pagaria AU$ 1.000 e assumiria junto ao CGS uma dívida de AU$ 3.000
  3. Não pagar nada e entrar no programa CGS. Nesse caso, para o mesmo curso, seria assumida um dívida de AU$ 5.000.
Ele optou por assumir junto ao CGS a dívida total da fatura do primeiro semestre. Isso significa que o governo pagou à universidade um total de AU$ 5.000 pelo semestre do meu neto mais novo (o valor real é bem próximo deste, mas eu arredondei para ficar mais fácil o raciocínio).

Já o meu neto mais velho tem emprego fixo como "cadete" em uma empresa de consultoria, e ganha bem. A mão de obra na Austrália é escassa e procura nas universidades alunos bons desde a sua entrada na mesma, oferecendo emprego fixo e um plano de carreira. Nessa condições ele optou por pagar 20% das faturas (foram 5 até agora), e ao término do curso ele vai ter uma dívida de 60% do valor total do curso (ele pagou 20% e teve um abatimento de 20% em todas as faturas).

É claro que essa decisão é semestral, e nada impede que por exemplo o neto mais novo resolva pagar parte das faturas seguintes, contanto que haja disponibilidade de sua parte ou da parte dos pais. Ou que o neto mais velho desista de pagar os 20%. 

E a dívida, o que vai acontecer com ela? Observem que a dívida é do aluno com o governo. Toda a atividade de ensino é custeada pelo aluno que pode pagar, ou pelo governo na forma de pagamento das faturas daqueles que não podem ou não querem pagar; mas vão pagar. Essa dívida sofre correção com o índice de inflação australiano, e o aluno ao entrar no programa CGS recebe, se já não tem, uma "Tax File", o que seria correspondente ao nosso CPF. 

Quando a declaração de renda do futuro profissional atingir o valor mínimo bruto de AU$ 55.000, o programa de declaração de renda aplica um cobrança automática da dívida no imposto a pagar. Essa cobrança começa em 4% do valor bruto de sua renda e termina em 8%, crescendo de acordo com a renda auferida.

Vemos aqui um verdadeiro ovo de Colombo: as universidades, pelo menos no que diz respeito ao ensino regular, possuem um planejamento que eu chamaria de perfeito. Ao contrário do caso do Estado de São Paulo, que dedica um percentual de sua arrecadação às suas universidades e não cobra qualquer resultado, aqui na Austrália a universidade só recebe do governo se houver aluno, e se esse aluno não pode pagar. Como ela é a dona do seu orçamento, e precisa de alunos para sobreviver, ela estabelece uma política de oferecer por sua conta bolsas aos melhores alunos das escolas públicas. Com isso ela ganha prestígio junto à sua clientela. Foi o caso do meu neto mais novo, que por ter sido um bom aluno na "high school" recebeu um bônus e uma oferta de fazer um semestre em uma extensão da universidade em outro país.

O ensino na Austrália é um negócio muito lucrativo. Devido à sua proximidade com o Sudeste da Ásia e com a China, verdadeiras hordas de alunos chegam aqui para fazer curso superior, o que levou as universidades a exportar cursos. A Swinburne University por exemplo tem uma extensão na Malásia.

Estou decidido a enviar um relatório mais detalhado do que vi aqui para o congressista no qual votei. Sei perfeitamente que isso é malhar em ferro frio. Dado o domínio da mediocridade e do sindicalismo no nosso meio universitário, e no nosso ensino em geral, duvido muito que essas ideias sejam levadas em conta. Discuti isso antes de vir pra cá com pessoas do meio universitário de Campinas e a resposta foi que o modelo brasileiro é o europeu, e europeu não paga universidade. Bom pra nossa elite que é muito parecida com a nobreza européia, e para os sindicatos que vivem às custas dessa aberração.

Mas eu sou teimoso. Vou malhar o ferro, mesmo que ele esteja frio. 

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