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A Democracia, agora segundo Moisés Naim

Moisés Naim é um escritor venezuelano que já assumiu cargos executivos, tendo sido Ministro do Desenvolvimento do seu país e diretor executivo do banco Mundial. Foi também editor chefe da revista Foreign Policy, e é articulista dos jornais El País, La Republica, e Folha de São Paulo. Após várias interrupções, terminei de ler seu ultimo livro, "O Fim do Poder", em que ele faz um raio x preciso das implicações da diminuição da capacidade dos dirigentes atuais, em todos os níveis e campos, de assumir posições que tempos atrás eram muitos mais fáceis de ser tomadas.

Morador nos Estados Unidos, Moisés Naim faz uma análise bem pessimista da degradação do poder nesse país. Na sua opinião ela é decorrente da polarização que tomou conta da atividade política. Vejamos o que diz Francis Fukuyama a respeito dessa polarização na página 315 do livro:

"Os americanos se orgulham muito de uma constituição que limita o poder executivo por meio de pesos e contrapesos. Mas esses pesos e contrapesos sofreram metástases. E agora os Estados Undos são uma vetocracia. Quando esse sistema se combina com partidos ideologizados o resultado é uma paralisia. Para sair da presente paralisia precisamos não só de uma forte liderança, mas das mudanças das regras institucionais".

Por sua vez. Peter Orszag, um economista americano com trânsito na administração Obama, na mesma página, vai um pouco mais longe:

"Em minha recente permanência na administração Obama como diretor do Escritório de Administração e Orçamento, ficou claro para mim que a polarização política do país estava cada vez pior, prejudicando a capacidade de Washington de desempenhar o trabalho básico de governar. Por mais radical que possa soar, precisamos conter a paralisia de nossas instituições políticas tornando-as um pouco menos democráticas. Sei que ideias como essas são perigosas. E cheguei a essas propostas com relutância: elas derivam mais da frustração do que da inspiração. Mas precisamos confrontar o fato de que um governo polarizado, emperrado, está na realidade fazendo mal ao nosso país. E temos que encontrar um jeito de sair dessa situação". 

Dada o aparente radicalismo dessa posição, resolvi investigar um pouco mais essa pessoa (https://en.wikipedia.org/wiki/Peter_R._Orszag) e descobri que de radical ele não tem nada. Suas propostas são as mesmas que estão sendo empregadas no ambiente empresarial: o uso da tecnocracia na administração pública, com a implementação dos chamados "estabilizadores fiscais automáticos". Esses estabilizadores não seriam mais que diretrizes sobre impostos e gastos que se ativam de forma automática quando a economia desacelera, e se contraem quando a economia cresce. Ele também defende as chamadas "normas de emergências", que seriam medidas a ser ativadas quando o Congresso não age, saindo-se de situação de inação para a de ação. Finalmente ele propõe que se recorra a comissões de especialistas com capacidade de trabalhar à margem das pressões partidárias.

Experimentem apresentar  qualquer uma das três propostas de Peter Orszag ao nosso ambiente político, e verão que as reações serão as mais iradas possíveis. Elas ao fim e ao cabo não farão mais que dispensar o chamado presidencialismo de coalizão. As ferramentas do Executivo seriam muito mais abrangentes, e a rigor o papel do Legislativo iria de restringir àquilo para o que ele foi concebido, tirando dele a poder atual de exercer pressão para a obtenção de cargos para os partidos da coalizão governamental.

No Brasil o ambiente político é bem diferente do americano, pois lá temos a chamada polarização entre dois partidos, e aqui um saco de gatos de 32 partidos registrados no TSE. Mas segundo Naim, das 32 "democracias" mais ricas do mundo, em 2012 apenas quatro tinham um presidente ou primeiro ministro cujo partido contava também com maioria no parlamento. Junte-se a isso a falta de criatividade para reformar os sistemas de governo, se bem que seria melhor dizer da falta de disposição em largar o osso.

As propostas de Orszag seria perfeitamente aplicáveis no Brasil. Vejamos exemplos das três propostas:

1 - Estabilizadores automáticos: Na situação econômica atual, temos o Executivo barganhando até a última gota com o Legislativo a aprovação do plano de ajuste do Joaquim Levy. Com gatilhos econômicos previstos com antecedência o Executivo teria em mãos todas as ferramentas necessárias para transformar o enorme degrau que teremos que escalar em uma escada de degraus pequenos, sem a necessidade de se desgastar junto aos partidos da coalizão.

2 - Normas de Emergências: Seriam o que o Presidente Fernando Henrique vislumbrou ao criar as chamadas Medidas Provisórias, que são atos unipessoais do Presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, o qual somente será chamado a discuti-la em momento posterior. O pressuposto de sua existência é urgência e relevância. Aqui surgiu um problema grave: de posse dessa ferramenta o nosso Executivo a transformou em uma arma para colocar o Legislativo nas cordas, já que ele tem 60 dias para aprová-las ou não, paralisando suas atividades em função da enxurrada de MPs que recebe. Isso, é claro, não significa que a ideia é ruim. Ruins são os nossos líderes.

3 - Comissões de Especialistas: Aqui o exemplo claro é a Reforma Política, e muitas outras, já que não se pode pôr a raposa para ditar as regras do galinheiro. Seria necessária a criação de um grupo de notáveis de reconhecido saber político (nada de Toffolis ou Cardosos) indicados pelas entidades verdadeiramente representativas da sociedade brasileira, a qual iria apresentar ao Legislativo uma Proposta de Reforma Política. Essa reforma iria ser aceita ou rejeitada sem alterações, e em caso de rejeição ela seria devolvida à Comissão para avaliação das propostas de alteração. O Legislativo nomearia um Grupo de Representantes para se reunir com a Comissão e chegar a um documento final. Caso o acordo não chegasse a bom termo o problema seria levado ao Judiciário, que teria a função exclusiva de atestar a constitucionalidade do documento final, o qual seria submetido a plebiscito.

A grande verdade é que o nosso país está chegando bem perto do fundo do poço, e temos que encontrar um líder que nos conduza pra longe desse poço. Nossa capacidade de hostilizar pessoas com algumas das qualidades necessárias a essa condução é ilimitada, função da má formação que recebemos daqueles interessados em nos manter na ignorância. Nossos representantes no governo somos nós com uma exacerbação de nossa característica mais perversa: a cordialidade. Sérgio Buarque de Holanda já tinha definido esse defeito crasso na nossa formação: não somos sociais, somos cordiais. A nossa visão cultural de curto alcance não nos permite vislumbrar muita coisa além de nós mesmos e os mais chegados a nós.

Ao chegarmos em uma posição de mando não conseguimos ver nada além do que vemos como cidadãos comuns. O nosso Ministro da Justiça tem a audácia de se dizer contra a diminuição da maioridade penal, porque não se pode jogar os jovens nas escolas do crime que são as prisões brasileiras. Para ele, o membro do executivo responsável por elas, a sua situação não lhe diz respeito. O problema delas é tão imenso que é melhor considerá-lo um dado da natureza, sem solução. E ficamos nós à mercê dos jovens assassinos.

Comentários

  1. Nada a fazer. Somos um país jovem e ignorante. A Democracia aqui exacerba as falhas e desvios do sistema. Se nos EUA os mecanismos de correção do sistema entraram em metástase, aqui qualquer metáfora orgânica não se aplica. Vivemos o surrealismo do absurdo, mais para Kafka do que para Darwin. As cabeças mais loucas circulam no Planalto insultando a lógica e o bom senso na gestão do país. Todos sem exceção serão amaldiçoados pela história. A única saída é o tempo e um longo e sofrido aprendizado.

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  2. Caro Amaro
    É sempre bom receber comentários, sinal de que alguém está lendo com interesse as minhas "mal escritas linhas". Vindos de você é melhor ainda. Sua posição me lembra a do velhinho judeu entrevistado pela CNN. Ao ser perguntado como se sentia após 50 anos rezando no muro das lamentações, pedindo a reconciliação entre árabes e judeus, respondeu: "me sindo como se estivesse falando com as paredes". Esta posição também é a minha.

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