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As Religiões Ideológicas

Recebi de um amigo no Facebook um artigo do Jornal da Unicamp, de autoria de Manuel Alves Filho. Trata o artigo de uma entrevista concedida por Sidney Chalhoub, historiador, hoje professor de História da América Latina e do Caribe em Harvard. O título do artigo já diz tudo: "A Meritocracia é um Mito que alimenta as Desigualdades". 

Como a Internet é uma ferramenta que nos permite a réplica sem atentarmos para a virtude da temperança, a minha resposta foi quase imediata:

"De fato. Mas a mediocridade por que passa a nossa educação reside em considerarmos todos iguais. Eles não são. Qualquer professor realista sabe disso".

Atribui-se a Winston Churchill a famosa frase: "Quem não foi socialista aos vinte anos não tem coração; quem continua sendo aos quarenta não tem cérebro." Os estudiosos de Churchill afirmam que não há registro de que ele disse isso, mas a frase ganhou fama e uma infinidade de autores, inclusive o meu guru Roberto Campos, injustamente apelidado de "Bob Fields".

A verdade é que todos nós temos nossos períodos de capitalista, socialista e nazista, dependendo das fases de nossas vidas e das situações que enfrentamos. Minha intensão neste Post é tentar provar essa verdade. O próprio Cristo, a julgar pelos Evangelhos, teve seus devaneios ideológicos:

Mateus 19:23-25 - Então disse Jesus aos seus discípulos: “Com toda a certeza vos afirmo que dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo mais: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus”. Ouvindo isso, os discípulos ficaram atônitos e exclamaram: “Sendo assim, quem pode ser salvo?” 

Lucas 20:24-26 - Mostrai-me um denário. De quem é a imagem e a inscrição estampadas?” Imediatamente replicaram: “De César!” Ao que Ele lhes orientou: “Dai, portanto, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus!”. 

Tomei a decisão de, no fim da minha trajetória nessa vida, e na falta da crença em outra, tentar entender o porque de tanta divergência em termos de ideologia. Para mim é claro que não adquiri bagagem suficiente para me considerar autorizado a tirar conclusões a respeito desse assunto tão importante, mas o que tenho lido ultimamente me autoriza a pelo menos expor algumas ideias, que quem se der ao trabalho de as ler poderá refletir melhor sobre as diferenças existentes. 

O que costumamos chamar de "ideologia", o historiador Yuval Harari prefere chamar de "religiões baseadas em leis naturais". Se compararmos por exemplo o fanatismo envolvido em um culto evangélico com o de uma reunião do PT, podemos concluir que Harari até que tem razão em considerar as ideologias uma religião, embora os seguidores desses credos ideológicos detestem esse termo. 

Segundo Harari estas "religiões" diferem quanto à definição que eles dão ao termo "humanidade". Ele define as três principais religiões humanistas da seguinte forma:

Humanismo liberal: essa religião é baseada essencialmente na defesa dos "direitos humanos", mas é necessário entendermos o que eles entendem por isso. Direitos humanos para eles são a defesa da liberdade de cada indivíduo, humanidade é um atributo que reside em cada um de nós, segundo a interpretação que damos através da nossa voz interior. Essa abordagem leva necessariamente à conclusão que cada indivíduo acaba por ser o responsável pelo seu sucesso ou fracasso, e os mais bem sucedidos serão reconhecidos, e será criada uma hierarquia baseada no seu lugar em uma escala de valores. 

As sociedades onde prevalece o humanismo liberal adotam como modelo político o capitalismo, o qual, numa medida relativa da posição das sociedades capitalistas, sem dúvida é o modelo mais bem sucedido. 

Humanismo socialista: os que praticam o humanismo socialista têm na humanidade uma conceituação coletiva, não individualista. O sagrado para eles não é a voz interna de cada indivíduo, mas a espécie humana como um todo. Ao contrário dos liberais, que perseguem a maior liberdade possível para cada indivíduo, os socialistas buscam a igualdade entre todos os humanos. Para eles a desigualdade é um pecado contra a humanidade, porque ela realça qualidades sem importância dos indivíduos em detrimento da universalidade. Dar valor à pessoa rica é dar valor ao dinheiro, que como já vimos em Posts anteriores é uma "coisa imaginada", que nada tem a ver com a natureza humana. 

O humanismo socialista adota como modelo político o comunismo, que teve uma enorme expansão durante o século passado, mas que atualmente está em franca decadência em função da sua incapacidade em conviver com sociedades capitalistas em pé de igualdade. 

Humanismo evolutivo: esse tipo de humanismo deu lugar ao nazismo como modelo político. Para os nazistas a humanidade continua sendo influenciada pela teoria da evolução. Ela não é uma coisa estabilizada, ela continua evoluindo ou se degradando, dependendo da orientação que ela recebe. O homem, pelas suas escolhas, pode se tornar um super homem ou um sub humano. O foco do nazismo é proteger a humanidade da degradação, tornando positiva a trajetória evolutiva do homem na Terra. Como os neandertais sucumbiram ao homo sapiens, assim as raças inferiores devem sucumbir às raças superiores no momento presente. O homo sapiens será condenado à extinção caso permita a miscigenação entre raças diferentes. 

Entendidas essas diferenças, vamos ver como se comportam esses diferentes humanistas, por exemplo, em relação a um tema da maior importância: a pena de morte.

Para os países que praticam o humanismo liberal com convicção, ou seja, para aqueles países que adotam o capitalismo refletindo a concepção liberal da sua sociedade, o assassinato é visto como uma violação do que eles entendem pela sua mais alta bandeira, os direitos humanos. Eles não praticam a tortura nem executam criminosos, e os punem de uma forma que consideram mais humana. É interessante notar que essa crença prevalece nos países da Europa Ocidental, a qual está sendo submetida ao que eu chamaria de "teste de validade" no tratamento da imigração de imensos contingentes de diversas regiões, compostos por pessoas com valores totalmente diferentes dos seus. Isso explica porque uma onda populista está crescendo com força em toda a Europa.

Todos os países que passaram pela experiência do humanismo socialista entenderam que a pena de morte era um instrumento a ser utilizado contra seus opositores. Não há como negar essa evidência ao verificarmos a quantidade de execuções na Rússia de Stalin, na China, e mais recentemente na Coreia do Norte dos Kim. O ideal socialista é para eles maior que a individualidade liberal, e o assassinato em massa daqueles que se opõem ao ideal socialista é mais que justificado. Não existe a utopia que tanto contamina as nossas sociedades em desenvolvimento, de que o comunismo é humano. Não é. Como disse Conrad Adenauer, "a história é a soma de tudo o que poderia ter sido evitado". O humanismo socialista peca exatamente ao deixar de lado o mérito, levando as sociedade a um nivelamento por baixo. 

Como o objetivo dos nazistas é proteger a humanidade da degradação, e para eles a raça ariana é o ideal humano, os que eles chamam de degenerados, os judeus, os ciganos, os homossexuais, os doentes mentais, devem ser isolados ou até mesmo eliminados. Tive uma pessoa muito chegada a mim que entendia que o nazismo pecou ao considerar apenas a raça ariana, mas que era inegável que a eugenia tinha grande importância no desenvolvimento de todas as raças. Entende-se por eugenia "o estudo dos agentes sob controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações, seja física ou mentalmente". 

Dito isso, vamos entender por que os Estados Unidos, auto considerados a maior democracia do globo, ainda adotam a pena de morte, a maioria de seus cidadãos ainda rejeita a teoria da evolução e, pior de tudo, elegem um Trump. Segundo a The Economist os Estados Unidos estão em um modesto 20° lugar no seu índice de democracia, atrás inclusive do Uruguai (o Brasil está em 51°). Isso porque uma verdadeira democracia tem que pautar seus princípios no humanismo liberal. 

https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Democracia

Absolutamente todos os países que empregaram em boa parte de sua existência o trabalho escravo têm enorme dificuldade em praticar o humanismo liberal pleno, e isso inclui um Império chamado Estados Unidos, sem falar no Brasil, que foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Poderíamos argumentar que os impérios europeus, o inglês, o espanhol, o francês, o português, o holandês, andaram cometendo atrocidades pelo mundo afora, mas internamente eles se preservaram, e não podemos esquecer o fato de que foi nessa região que nasceram os ideais liberais. 

Mas foi também aí que os outros dois humanismos resolveram mostrar as sua garras, e os resultado disso todos nós conhecemos. A Europa entrou numa fase de constante decadência, ao mesmo tempo em que o Império Americano floresceu e tomou o seu lugar na liderança mundial, após derrotar o nazismo (sem eles o nazismo não teria sido derrotado) e o comunismo (após uma guerra fria em que prevaleceu o poderio econômico). 

E quanto ao nosso Brasil, que religião ele pratica? Para estar em 51° lugar na lista da The Economist é claro que o humanismo liberal não tem muito Ibope por aqui. A nossa sociedade é por demais desigual para almejarmos uma posição melhor que esta mesmo no longo prazo. Os séculos nos quais a presença forte do Estado influenciou nossa mentalidade, a ponto de não passarmos de marionetes ao seu inteiro dispor, nos leva de forma inexorável a uma rota distante daquela praticada por países que praticam na sua integridade o humanismo liberal. Resumindo, estamos longe de ser uma democracia plena, e esse fato nos conduz a um distanciamento cada vez maior das nações liberais. 

Vamos agora fazer um teste: um indivíduo cordato, trabalhando no departamento de atendimento ao cliente de uma grande empresa, que interagia com todo tipo de gente, "gentil com todos", "um colega excepcional", mata em questão de horas 77 pessoas e fere outras 51. Comparece ao seu julgamento fazendo a famosa saudação nazista, e é condenado a 21 anos de prisão, prorrogáveis. Uma vez na prisão ele ganha um processo contra o Estado por tratamento desumano, isso por estar há mais de 5 anos em total isolamento.

No seu entender:
  1. A pena foi muito pequena para um crime tão hediondo
  2. Ele merecia no mínimo a pena de morte (de várias mortes)
  3. Não faz sentido ganhar um causa dessas contra o Estado, já que estamos falando de um psicopata neonazista que tem que ser mantido isolado. 
Estamos falando de Anders Behring Breitvik, terrorista cristão da extrema direita norueguesa, autor dos atentados de 22 de julho de 2011, que constaram de explosões combinadas de bombas em Oslo que mataram 9 pessoas, e duas horas depois da invasão de um acampamento de jovens do Partido dos Trabalhadores norueguês, que resultou na morte de 68 pessoas. 

Antes de vermos qual a sua religião humanista resultante deste teste convém lembrar que:
  1. A Noruega é considerada a maior democracia do mundo, com índice 9,93 num total de 10, tendo tirado as notas 10,00 em Processo Eleitoral e Pluralismo, Participação Politica, Cultura Política, e Liberdades Civis, e 9,64 em Funcionamento do Governo.
  2. A sua Cultura Humanista Liberal norteia o foco na recuperação do indivíduo, não obstante o fato de seu crime ter sido hediondo (ponha hediondo nisso). Pena de morte nem pensar. 
  3. A Justiça reconheceu que mesmo para uma pessoa com essa temos que considerar um tratamento humano no seu período de prisão.
  4. A pena foi de apenas 21 anos, mas ela depende de avaliação; é prorrogável. 
Devo confessar que eu também tendi a despertar o meu lado de humanismo evolutivo na análise desse caso. É normal. Seria ainda mais normal se eu fosse o pai de um dos 68 jovens assassinados pelo pecado de pensar diferentemente do Senhor Breitvik. Só que eu estou errado. A Noruega teve, ao longo de sua história, que considerar onde ela queria chegar, e sua escolha foi a escolha certa. Se ela opta por executar um indivíduo desses ela necessariamente terá que abrir mão do seu índice de democracia, o que implica em abrir mão da qualidade de vida que ela dá aos seus cidadãos. O que está escrito na letra da lei não pode sofrer influência emocional de qualquer espécie. 

Isso de certa forma me remete à situação política pela qual nosso País está passando. O que vemos proposto na mídia é uma chamada "mudança da regra", de iniciativa exatamente daqueles que querem voltar ao poder, de onde foram alijados por incompetência e corrupção. Regra se aplica ao futebol, onde a FIFA pode mexer à vontade, como estamos vendo agora com o juiz virtual. O caso aqui é mexer na lei das leis, na Constituição. Mas isso não é problema se considerarmos que em 29 anos já a remendamos 95 vezes. 

Essa é a sina das sociedades que consideram que a Lei Maior pode ser mexida ao menor vento contrário. Chegamos ao que chegamos exatamente por sermos emocionais e não respeitarmos as leis, com resultado na nossa baixíssima nota em Cultura Política (3,75 segundo a The Economist).

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