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Brasil para Principiantes: 2a - A Reforma Tributária - da sua Necessidade

Algo deve mudar para que tudo continue como está
Tomasi de Lampeduza

Nesse segundo Post da série vamos analisar o que está ocorrendo com a iniciativa, absolutamente necessária e urgente, do governo de facilitar o calvário que é o cipoal tributário que nos persegue. É tanto assunto que vou precisar de mais de um Post. Vamos ver. 

Hoje mesmo fui à Frutaria que visito quase todo dia e fiz uma compra. Bem abaixo do total de R$ 128,24 do Cupom Fiscal Eletrônico estava escrito:

    Observações do Contribuinte
    Valor aproximado do tributo desse cupom
    (conforme Lei Fed. 12.741/2012) R$ 15,27
    
Como "aproximado"? É tão difícil assim se chegar ao valor exato? Na verdade é. Muito difícil, e ele é bem maior, e vamos tentar mostrar porque. 

Uma Nota ou Cupom Fiscal pode conter, dependendo do produto que está sendo negociado, os seguintes impostos (não desista por favor após ler esta lista):
  • Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS): um imposto de competência estadual, que tem alíquotas variáveis fixadas de acordo com a legislação fiscal de cada estado.
  • Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS): esse é um imposto municipal, que deverá ser recolhido para a prefeitura do município onde o serviço foi realizado. Além das empresas, os profissionais autônomos, que emitem notas fiscais, estão sujeitos ao pagamento desse tributo. As alíquotas do ISS podem variar bastante, pois cada município é responsável por fixar os seus percentuais;
  • Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins): mais um imposto, no caso federal, que incide sobre o valor total da nota fiscal. A base de cálculo desse tributo é obtida pela soma de todas as notas fiscais emitidas;
  • Programa de Integração Social (PIS): assim como a COFINS, o PIS é um imposto federal que é calculado com um percentual aplicado sobre o valor total das notas fiscais emitidas em um determinado período;
  • Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): esse tributo federal incide sobre as atividades de industrialização de produto, exceto aqueles que não sofreram nenhuma modificação desde a sua extração;
  • Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL): esse é outro tributo federal que é calculado com os valores obtidos nas notas fiscais de vendas de produtos ou serviços;
  • Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ): o famoso IRPJ, federal, é devido por todas as pessoas jurídicas nacionais e por pessoas físicas a elas equiparadas. Ele é apurado com base no lucro, que pode ser real, presumido ou arbitrado;
  • Instituto Nacional da Previdência Social (INSS): esse tributo federal não incide em todas as notas fiscais. Ele será cobrado como uma espécie de retenção, ou seja, o seu contratante ou comprador pagará um valor menor que o descrito na nota fiscal e posteriormente deverá recolher esse imposto. 




Deu pra entender por que eu chamei de cipoal? Muito bem; vamos então dar um exemplo. Deve ficar claro que, dependendo do produto que está sendo vendido, uma gama de impostos vai incidir, não todos os listados acima. Suponhamos então que eu possuo uma empresa prestadora de serviços e tenho que emitir uma nota fiscal para um condomínio residencial. Eu fiz uma proposta de R$ 10.000,00 pelo serviço e ela foi aceita. A nota fiscal de serviços embute os seguintes impostos:

  • Valor da nota fiscal: R$ 10.000,00
  • ISS (vamos supor 5%, pois varia muito por ser municipal): R$ 500,00
  • PIS (1,65% sobre o total): R$ 165,00
  • COFINS (7,6% sobre o total): R$ 760,00
  • CSLL (9% sobre o total): R$ 900,00
  • Valor total dos impostos na nota fiscal: R 2.325,00
Mas a coisa não para aí. Para realizar o trabalho eu tive que contratar mão de obra, o que implica no acréscimo de 11% de retenção no INSS, ou R$ 1.100,00, o que eleva o total de impostos para R$ 3,425,00. Ou seja, dos 10.000,00 que cobrei sobram para mim não mais que R$ 6,575,00. Ficou claro que muitas vezes sonegar é uma forma de sobreviver?

Isso vale para uma nota fiscal de serviço, serviço esse que para realizar eu tive que locar mão de obra. Mas a coisa ainda não acabou. O Imposto de Renda (IR) está de olho na minha Pessoa Jurídica (a minha empresa), e se por acaso eu conseguir o milagre de obter algum lucro com a minha atividade de empresário, vou ter que pagar IR com base no lucro, que para "simplificar", pode ser real, presumido, ou arbitrário. Esse assunto eu vou resolver definitivamente quando fechar o balanço da minha empresa. Se eu forçar para mim um pro-labore (salário de empresário) alto, eu vou passar da minha Pessoa Jurídica para a minha Pessoa Física o meu caso com o IR. 

Tá achando complicado? Espere para ver o que ocorre quando eu compro uma mercadoria ou um serviço de transporte ou de comunicação, quando entra o ICMS. Este é um imposto estadual, ou seja, cada unidade da federação define o seu valor. A tabela abaixo mostra o grau de dificuldade para se operar com esse imposto; ela dá o valor da sua alíquota para vendas dentro de um determinado Estado (na diagonal colorida), bem como para vendas entre Estados e para vendas internacionais (na linha/coluna IM, 4% para todos):
Por exemplo, mercadorias vendidas em São Paulo para compradores em São Paulo recolhem um ICMS de 18%. Já se ela for vendida para um comprador em Sergipe ou Tocantins elas recolhem apenas 7%, mas se a venda for para Santa Catarina ou Minas Gerais alíquota é de 12% (para Estado rico é 12%, para pobre é 7%, acho eu). 

A causa desse absurdo é que o ICMS possui recolhimento na origem, ou seja, uma mercadoria que é fabricada em São Paulo e vendida para um atacadista em Minas Gerais recolhe 12% em São Paulo, pagos pelo atacadista mineiro. Se esse atacadista revende essa mercadoria a um varejista em Sergipe, esse varejista paga 7% de ICMS ao Estado de Minas. Finalmente o varejista sergipano recolhe ao Estado de Sergipe 18% de ICMS pagos pelo consumidor. Bom lembrar que o ICMS incide sobre o preço de venda e o custo do transporte em cada origem: o atacadista mineiro paga ICMS sobre o preço mais transporte de São Paulo a Minas, e assim por diante. 

A coisa não para aí. Nessa operação São Paulo fica com 12% da venda mais transporte para Minas, que são pagos pelo atacadista mineiro. Esse atacadista tem que recolher em Minas Gerais um ICMS de 7% da venda mais transporte para Sergipe, pagos pelo varejista sergipano, só que na sua contabilidade ele vai descontar o ICMS que pagou em São Paulo, ou seja, pelo menos nessa operação Minas levou prejuízo. Finalmente o varejista sergipano recolhe os 18% da venda para o consumidor sergipano, pagos pelo consumidor, mas desconta o ICMS que pagou ao atacadista mineiro.

Essa cadeia de ICMS conduz a distorções que levam ao que se convencionou chamar de guerra fiscal. Aqui fica evidente que o Estado produtor, São Paulo no caso do exemplo, é quem mais se beneficia com essa prática de tributar na origem do produto. No fim das contas o consumidor sergipano paga imposto estadual pro rico São Paulo. Isso leva os outros Estados a, de forma artificial, criar facilidades para se tornar produtores. Aí surgem por exemplo fábricas de automóveis distantes dos centros principais de consumo, lá instaladas em função de vantagens proporcionadas pelos governos desses Estados. É evidente que essa política acaba por elevar o custo dos produtos, e isso explica porque a Zona Franca de Manaus é um sério empecilho para que essa distorção acabe.

O que a proposta de Reforma Tributária mais em evidência sugere é a extinção do ICMS, do IPI, do ISS, do PIS e do Cofins, para criar em seu lugar o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ou Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) tributável apenas no consumo. É uma simplificação  que vai levar o recolhimento desses impostos pra um só destino, sob responsabilidade do Governo Federal, que vai cuidar do repasse para os Estados. Só que junto com isso vem embutida a política liberal de acabar com os incentivos fiscais. Manaus possui cerca de 600 empresas lá instaladas que, sem esses incentivos, a sua presença lá se inviabiliza, o que vai levar a uma onda de desemprego em massa.

Vamos tentar entender o que leva um Governo a criar Zonas Francas. Geralmente elas são criadas perto de grandes portos e em países importadores com grande mercado, com isenções ou reduções de impostos, aqui incluído o de importação. A ideia é arrecadar menos imposto "per capita" (por produto) e compensar essa política com um volume maior de produção, o que leva ao desenvolvimento da região. Sem esse incentivo fiscal as empresas perdem a vantagem de estar instaladas em Manaus e tendem a migrar para perto dos centros de consumo.

Mas voltemos ao ICMS. É nele que a máquina de gerar tributos foca com maior vigor. Como já vimos ele é de caráter Estadual, e a maior fonte de receita do ICMS, pasmem, são os Serviços de Comunicação. 

O que leva os Governos Estaduais a punir com tanto rigor um Serviço tão importante para a sociedade? A prática recomenda que tarifas maiores sejam aplicadas a produtos considerados perniciosos para a saúde (bebidas alcoólicas, cigarros), ou supérfluos. Mas aqui cabe a pergunta: telefonia é supérflua? E conta de luz? E gasolina em um país que não tem transporte de massa? E carro? E passagem aérea?

A resposta está no fato que esses serviços são muito fáceis de serem cobrados. Exemplos de duas faturas que recebo:

1 - Conta de Eletricidade (CPFL):
                                                         Serviço: R$ 139,85
                                                            ICMS: R$   46,62 (25%)
Mas peraí, R$ 46,63 não é 25% de R$ 139,85. É 33,33%. Aqui não temos o erro da CPFL, mas sim uma artimanha de considerar que o ICMS deve ser cobrado "por dentro". Ou seja, o Serviço que custou R$ 139,85, em vez de ser multiplicado por 0,25 (25%) para apurar o valor do ICMS, que seria R$ 34,96, na verdade é multiplicado por 0,25/0,75 = 33,33%. Ou seja a alíquota de ICMS da conta de eletricidade na verdade é de 33,33%.

O que se faz aqui, vejam bem, é somar o serviço com o valor do ICMS, e multiplicar por 0,25, para em seguida calcular o próprio ICMS. Isso resulta numa alíquota real de 33.33%. E o que é pior, PIS e COFINS são calculados incluindo-se Serviço e ICMS. Um ROUBO:

                                              (Preço + ICMS) x 25% = ICMS
                                              Preço x 25% = ICMS x 75%
                        donde:           ICMS = Preço x 25% / 75% = Preço x 33,33%

Para esconder essa enganação a CPFL não mostra na nota o valor do Serviço, mas apenas o Valor Total da Operação e o Valor do ICMS, e o ICMS no caso é mesmo 25% do total da operação. Inacreditável. 

2 - Combo da Claro
Aqui a coisa se repete. Nos quatro serviços faturados, NET TV, NET Virtua, NET Fone e Serviços Móveis, a enganação é a mesma (vejam bem não se trata obviamente de mutreta da prestadora de serviço). Vejamos a parte referente à NET TV e NET Virtua:
                                                         
                                               Serviço: R$ 142,09
Esse valor também não aparece na fatura. O que aparece é:
     ICMS        Base de Cálculo   189,45      Alíquota   25%        Valor   47,36
     Cofins       Base de Cálculo   257,44      Alíquota     3%        Valor     7,73
     PIS           Base de Cálculo   257,44       Alíquota     0,65%   Valor     1,66

A coisa se repete. R$ 189,45 já é a soma do serviço com o valor do ICMS, que multiplicado por 0,25 vai dar o próprio ICMS. Alíquota real de 33,33%. A base de Cálculo do PIS e do Cofins também aqui inclui o ICMS.

As Forças Contrárias à Reforma 

Bem, quando se começou a falar em Reforma Tributária logo surgiram duas Propostas, uma na Câmara e outra no Senado. Em linhas gerais os textos propões não mais que a simplificação das cobranças, o que não é pouco, mas com a manutenção da carga tributária. Mais que isso, a cobrança passaria a ser feita no consumo e não mais a partir produção.


Aí que a coisa pega. Como já vimos isso vai atingir regiões que fizeram um enorme esforço para trazer a produção para si, sem que as leis do mercado fossem avaliadas, pelo simples fato que a tributação na origem era a regra. Posso afirmar que a Reforma Tributária, em função dessa mudança proposta, é muito mais difícil de ser aprovada que a Reforma Previdenciária, que não tinha tanto em conta essas diferenças regionais.

Mas ainda falta a Proposta do Executivo, que está patinando e inclusive já conta com baixas no caminho. O grande defensor de uma mudança radical no Sistema Tributário já foi defenestrado.

Resumindo, os interesses dos políticos variam de região para região, pra não falar do exército de contadores e empresas que se beneficiam com esta montanha de leis e normas que infernizam a vida de quem quer empreender, e não vai ficar parada vendo essas mudanças acontecerem.

Isso será assunto do próximo Post.

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