Em 2.012, numa reunião no Departamento de Defesa Americano, o Ocidente finalmente deu a sua declaração de reconhecimento de uma situação que há tempos se delineava: a de que a mudança que estava em curso levava em conta uma alteração no comando global, se não no protagonista, pelo menos na geografia dos participantes. Nessa reunião Barak Obama declarou:
"Nossa nação está num momento de transição. O mundo está se transformando diante dos nossos olhos, e isso é algo que demanda nossa liderança para que os Estados Unidos possam permanecer como a maior força para a liberdade e a segurança que o mundo jamais conheceu. Iremos, em função da necessidade, promover um reequilíbrio em direção à região Ásia-Pacifico."
Traduzindo: o olhar dos Estados Unidos, que por cem anos focaram nas relações especiais com a Europa Ocidental, agora tinha que mirar uma região diferente. O Ocidente até que tem se esforçado para reconhecer essas mudanças que estão ocorrendo, e a criação da União Européia (UE) é prova disso, mas o Brexit veio mostrar em péssima hora que ainda não está consolidada nas nossas lideranças uma percepção real do tamanho da encrenca.
Vamos dar um exemplo: todos estamos de certa forma informados da existência da UE e da sua composição de 27 países membros, mas se falarmos da OCX certamente muito poucos saberão do que se trata. A Organização para Cooperação de Xangai, fundada em 2.001 pelos líderes da China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão e Usbequistão, é uma sociedade de socorro mútuo cuja finalidade principal é a cooperação para a segurança, a economia e a cultura.
- OCX - Fundação: 26/04/1996 - Sede: Pequim, China
- Países membros: Cazaquistão, China, Índia, Paquistão, Quirguistão, Rússia, Tajiquistão, Usbequistão
- Observadores: Afeganistão, Bielorússia, Irã, Mongólia
- Parceiros: Arménia, Azerbaijão, Camboja, Nepal, Sri Lanka, Turquia
- Convidados: Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático, composta de 10 países), CIS (Comunidade dos Estados Independentes, 11 repúblicas que pertenciam à antiga União Soviética), Turcomenistão.
- Línguas oficiais: Chinês e Russo
- Site Oficial: http://www.sectsco.org/
Seus seis países membros são responsáveis por 60% da superfície da Eurásia e sua população, se incluirmos es Estados observadores, corresponde a metade da população mundial.
Imediatamente surgiram reações tímidas por parte dos donos atuais do poder, que taxaram o grupo como promotor da violação dos direitos humanos, mas a verdade é que, como mostra a composição atual do grupo, vários países aderiram a essa nova congregação, a ponto de o Primeiro Ministro turco declarar que a OCX é melhor e mais poderosa que a UE, além de ter mais valores em comum com seu país. É claro que, depois de anos batendo à porta da UE sem ser atendido, Erdogan vislumbrou uma alternativa mais interessante à decadente Europa que o esnoba, mas o certo é que na medida em que os pensamentos se voltam para uma nova ordem mundial, Washington não podia ficar parada vendo os cordões desse teatro de marionetes fugirem dos seus dedos.
O grande maestro dessa nova ordem se chama Xi Jinping, Em junho de 2.005 em Astana, no Cazaquistão, o presidente anfitrião Nursultan Nazarbayev proferiu palavras que nunca tinham sido usadas em reuniões semelhantes: "os líderes dos estados sentados nessa mesa de negociação são representantes de metade da humanidade".
Em 2.007 a OCX iniciou mais de 20 projetos de grande escala relacionados ao transporte, energia e telecomunicações. A partir daí tem realizado reuniões constantes sobre segurança, defesa, negócios estrangeiros, economia, cultura, serviços bancários, com os funcionários de seus estados membros. A OCX é hoje um observador na Assembléia Geral das Nações Unidas.
O leitor pode até estranhar a profusão de países cujos nomes terminam em "istão" na lista acima. São 5 entre os 8 atuais países membros. Pois é, ele vai ficar sabendo que existe algo mais acontecendo na região que sempre foi prioritária no relacionamento entre a Europa bárbara e a Ásia culta. Os romanos sabiamente investiram muito mais no lado oeste do seu império, a ponto de mudar sua capital para Constantinopla, para ficar mais perto do centro do mundo.
Por aqui ficamos sabendo das trapalhadas nas quais o Ocidente se mete no Iraque, no Afeganistão, na Ucrânia, no Irã, e não percebemos que a antiga Rota da Seda está ressurgindo com uma força imensa, mais em função dos recursos naturais enormes nos países compreendidos entre o leste do Mediterrâneo e o Himalaia. Enquanto o Império atual se desgasta impondo sanções aos países que ainda domina e dos quais depende, causando grandes privações às suas populações, o novo pretendente à hegemonia caminha no sentido contrário, criando uma infraestrutura de transporte e de comunicações que irá promover uma enorme vantagem competitiva ao Grupo recém criado.
Como resultado da criação da OCX novas conexões estão surgindo por toda a Ásia, ligando essa região, basicamente repetindo o que vem sendo feito há milênios. O planejamento é perfeito, com as artérias seguindo as necessidades de distribuição da China. A Rede de Distribuição Norte é composta de uma série de corredores de trânsito através da Rússia, Usbequistão, Cazaquistão, Quinsguistão e Tajiquistão. Já foram abertas rotas ao longo dos 11 mil quilômetros de uma ferrovia que vai da China até Duisburgo na Alemanha, com trens de 800 metros numa jornada de 16 dias, bem mais rápida que a rota marítima a partir dos portos chineses.
Em função disso as empresas estão transferindo suas fábricas para o interior da China. A Hewlett Packard mudou sua produção de Xangai para Chongping, no sudoeste, de onde vão sair os milhões de laptops e impressoras para o mercado ocidental. A Ford seguiu o mesmo caminho e a Foxcom, fornecedora chave de quase todas as fabricantes ocidentais a começar pela Apple, reforçou sua presença em Chegdu, fechando suas instalações em Shenzen
- pelo Irã, Turquia, os Balcãs e a Sibéria até Moscou, Berlim e Paris (vide figura acima),
- novas linhas ligando Pequim ao Paquistão, Cazaquistão e Índia,
- fala-se de um túnel de 320 quilômetros sob o estreito de Bering, com trens passando pelo Alasca e Canadá até os Estados Unidos.
Extremamente informativo e interessante.
ResponderExcluirQuem viveu na guerra fria entre EUA e URSS fica apreensivo com a que se antecipa entre EUA e China. Na verdade, estou achando que ela já começou a julgar pela quantidade de mensagens anti-China que tenho recebido.
ResponderExcluirMuito bom Luís. Há tempos a imagem da China como genocida e outras bobagens herdadas da mais tacanha visão histórica reacionária, deixou de fazer sentido. Esta pujança geo-política da rota da seda é resultado claro de uma dialética de evolução do socialismo com peculiaridade chinesa, quer dizer com incorporação da cultura ancestral da herança secular da civilização asiática etc, mas é, fundamentalmente, o comunismo ou socialismo moderno iluminando o planeta. Mais do que a exuberância econômica, temos o poder armado Eurasiano, com Russia e China garantindo a defesa da Rota dos possíveis ataques do Império, sendo esta a principal razão porque as tais iniciativas como a da OCX podem dar certo.
ResponderExcluirCaro amigo
ExcluirUma coisa que aprendi foi que tudo o que vemos ou lemos impacta muito pouco naquilo que já temos consolidado dentro de nós. Ou seja o nosso pré julgamento das coisas é o que importa.
Da minha parte eu entendo que o regime vigente na China está um pouco distante daquilo que apregoaram Lenin, Mao, e tantos outros que defenderam o comunismo como a resposta ao capitalismo do início do século XX. Pra mim o que se pratica por lá hoje seria melhor chamado de um capitalismo de estado.
Mas tudo bem, tirar, tanta gente da pobreza extrema em tão pouco tempo não deixa de ser um feito enorme.