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A PARTICIPAÇÃO DO FUTEBOL NO MEIO SOCIOPOLÍTICO, e vice e versa. Parte 1 - HOMOFOBIA - Enzo Fontenelle Alfonso

É a primeira vez que abro esse espaço para outra pessoa apresentar seus pontos de vista, e faço isso com grande alegria por se tratar de uma pessoa 61 anos mais nova que eu. Trata-se  do meu neto "03" Enzo, 16 anos. 

Domingo passado o Enzo enviou via WhatsApp para sua avó uma calhamaço de 38 páginas. Era o seu trabalho escolar no qual ele apresentava a sua visão do esporte mais apreciado não apenas aqui mas em todo o mundo: o Futebol. Minha esposa o leu e passou para mim, e ambos nos impressionamos com a maturidade com que o assunto foi apresentado. 

Para mim que sempre me culpei por não ter tido a coragem de me envolver mais fortemente na missão de escrever, e acabei sendo salvo pela tecnologia que me deu a oportunidade de criar este Blog, é com grande emoção que decido transportar para cá os argumentos do meu Neto. Com isso espero que aqueles que lerem esse Post se sintam motivados a divulgá-lo aos seus filhos e netos, na esperança de que daí surja alguma semente que momentaneamente leve essa geração século XXI a expor o que pensa. 

Como o texto é muito extenso decidi apresentá-lo em 3 partes, espaçadas de uma semana. Com a palavra o Enzo.

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“Quem nunca sonhou em ser um jogador de futebol?” Apesar de “grudenta”, essa frase escrita por Nando Reis e cantada por Samuel Rosa de Alvarenga nunca retratou tão bem a paixão e a comoção não só nacional, mas mundial em relação a esse maravilhoso esporte, que mesmo não sendo originário daqui, talvez seja um dos maiores símbolos do nosso “Brasil brasileiro”. Nenhum outro tipo de entretenimento, em si, lucra e repercute tanto quanto um jogo de futebol. Não é qualquer evento que consegue reunir mais de 150 mil pessoas em um só lugar para extravasar, chorar, sorrir, gritar, amar. Você vive o jogo.

          Quanto a sua origem, não se sabe ao certo quem o criou ou onde surgiu, porém acredita-se que a prática de algo muito semelhante ao futebol possa ter surgido antes mesmo do nascimento de Cristo, e assim como hoje em dia, também era praticado como forma de lazer por algumas antigas civilizações orientais. No entanto, os ingleses foram os primeiros a colocar em prática uma versão mais moderna e adaptada dessa até então gincana.  Foi a partir do século XIX que surgiram as primeiras regras, regulamentos, e até mesmo grêmios e associações responsáveis pela manutenção deste maravilhoso esporte ‘bretão’, que desde sua disseminação tem se aperfeiçoado cada vez mais.
Fato é que, a evolução do futebol no que se diz respeito à maneira de como é jogado, também vem acompanhada de uma colossal (por falta de adjetivo maior) evolução no quesito social, fora das quatro linhas. Sim, por mais que hoje ainda existam muitos absurdos relacionados ao mundo do futebol, acredite quando eu digo que antes, era algo bem pior, cercado de hostilidade, conservadorismo, interesses políticos e muitas outras situações que serão descritas mais à frente.

          Um estádio de futebol/uma partida de futebol hoje nada mais é do que um palco de teatro vazio. Por que um palco vazio? Pois bem, um palco vazio a princípio não possui nada acontecendo, o que pode ser ruim, já que não há entusiasmo, literalmente não há nenhuma moral da história a ser contada, não existem grandes superações, enfim. Porém, o que um palco vazio tem de melhor é a certeza de que uma hora ou outra algo irá acontecer. O mocinho entrará na história, os humilhados serão exaltados, e o mais importante é que iremos absorver algo que levaremos pra vida.

          Por muito tempo o futebol foi conhecido por ser o "palco vazio ruim'', sem inovação, sem alterações na narrativa, ou melhor ainda, sem narrativa, apenas o puro conservadorismo e tradicionalismo incorporado em 22 homens correndo atrás de uma bola. Felizmente, o tempo foi passando e as ideias daquela época junto às pessoas que se associavam a elas foram morrendo, a renovação acabou se tornando algo natural. Com essa renovação, veio a necessidade de se criar um ambiente mais amistoso, com o objetivo de atrair mais pessoas para o esporte e tentar se dissociar das ideias que antes eram pregadas. Isso fez com que houvesse a aberta inserção do negro ao esporte, a criação do futebol feminino, o repudio a governos ditatorias, etc.

          Com isso, o futebol foi adquirindo uma imagem de “palco vazio bom”, já que agora o público sempre espera algo de novo, como a geração de um novo debate que aumente a nossa perspectiva sobre o mundo, algo que aumente a inserção de novos públicos, o apoio a diferentes causas e comunidades, enfim. E quando digo palco, também falo no sentido literal, já que muitos desses temas são debatidos abertamente antes e depois da bola rolar, dentro dos estádios. Por ainda ser uma onda de acontecimentos muito recente, é muito cedo para que se possa garantir algo, porém, a tendência é de que fique ainda melhor.

          O decorrer do trabalho, apesar de exemplificar o que foi dito acima, é um pouco mais simples do que toda a loucura que foi essa metáfora, peço perdão, inclusive! Porém, esse é um detalhe importante para que você possa se situar e interpretar melhor o que vem por aí. Dito isso, o trabalho tem como objetivo principal mostrar como o futebol, um dos assuntos com maior visibilidade no mundo, dialoga com outros temas sociopolíticos e de que maneira ele tem sido usado para que haja essa interação. Além do mais, há a necessidade de frisar como isso é algo importante e que deve ser cada vez mais realizado.

HOMOFOBIA:

          Por sempre ter sido um esporte muito popular entre os homens desde seu início, além de ter surgido em tempos diferentes, por assim dizer, o meio futebolístico sempre foi de caráter muito “conservador”. Dentre todo esse conservadorismo vindo tanto por parte dos torcedores, quanto por parte dos clubes e federações, ser “diferente” da maioria nunca foi algo bem aceito.

          Nessa bolha que chamamos de futebol, jogadores criminosos ou até mesmo assassinos recebem mais espaço e visibilidade do que jogadores assumidamente gays, por exemplo. Você pode até ficar em dúvida sobre essa afirmação anterior, porém o simples fato de tal dúvida, por mínima que ela seja, já mostra que algo não está certo. O FUTEBOL TEM QUE MUDAR!

          A homossexualidade é justamente um dos assuntos mais polêmicos dentro do futebol, esporte que como explicado acima é tradicionalmente/internamente conservador em relação a suas ideias, e no meio de todo esse conservadorismo se encontra a Homofobia. O texto abaixo cita alguns trechos de uma carta escrita há não muito tempo por um jogador anônimo que atua na Premier League e nos dá uma boa noção sobre como é ser homossexual dentro do futebol. 

 "Sou gay. Escrever essa carta é um grande passo para mim. Só minha família e um reduzido grupo de amigos sabem da minha sexualidade.”

 (...)

 "Desde que tinha 19 anos sei que sou gay. Como me sinto vivendo assim? No dia a dia pode ser um pesadelo absoluto e isso está afetando minha saúde mental cada vez mais. Meu medo é que revelar a verdade sobre o que sou tornem as coisas piores.”

 (...)

 "Os que controlam o esporte devem educar os fanáticos, os jogadores, os treinadores, os empresários e os donos de clubes, basicamente todos envolvidos no jogo".

 (...)

 "Os jogadores têm muito medo de dar esse passo enquanto ainda estão jogando. Porque eles podem jogar no lixo vários anos de uma carreira lucrativa, mas você não pode pôr um preço na paz mental e eu não quero viver assim para sempre".


          Curiosamente, a Premier League (Liga inglesa de futebol) é uma das entidades que mais tem apoiado e lutado pela liberdade sexual de seus atletas. Desde 2018, quando foi implementada, a campanha Rainbow Laces, parceria entre a Premier League e a ONG Stonewall nunca foi tão forte. Ao fim dessa década, pudemos ver que o movimento felizmente veio pra ficar. Hoje vemos em faixas de capitães, bandeirinhas de escanteio, placares, mídias sociais dos clubes, e até mesmo na chuteira dos jogadores. Todos estampando as cores da bandeira LGBTQ+. 

Disponível em: https://www.premierleague.com/

Disponível em:https://ge.globo.com/.

 

Disponível em: https://ge.globo.com/.

           O intuito dessa campanha é um tanto quanto triste, na verdade. Ela foi criada com base em estudo de 2016 realizado no Reino Unido chamado “Out on the fields”. O Estudo mostrava que pessoas abertamente homossexuais não se sentiam seguras ou não eram bem recebidas dentro dos estádios de seus próprios clubes, e as que iam, deveriam ir "escondidas''.

          Além do mais, dentro desse mesmo estudo também foi realizada uma pesquisa popular informando que 77% das pessoas que frequentam o mundo do futebol já presenciaram casos de homofobia no esporte. Isso fez com que a Federação Inglesa de futebol começasse a adotar as cores como forma de incentivar a participação de todos, afinal esse é o intuito do esporte.

          Porém, se nem mesmo um jogador ou torcedor que atua em um ambiente que teoricamente o permita ser quem ele é, isso acontece, imagine aquele que atua em um país ou em uma competição que não lhe dá essa total liberdade.

          Pois é, é assim em todo lugar. Todos sofrem da mesma preocupação e todos possuem o mesmo medo. Seja aqui no Brasil, ou até mesmo na Europa, por mais incrível que pareça. Infelizmente, em muitos lugares do mundo ainda é considerado algo normal você desrespeitar ou fazer piadas com coisas do tipo, principalmente quando isso está relacionado ao futebol, supostamente uma “terra sem leis”.

          Como exemplo na Europa, vimos recentemente o que ocorreu nesta Eurocopa 2020, que apesar de ter tido um grande apoio à comunidade LGBTQ+, movimento encabeçado principalmente pela seleção alemã, houve casos controversos, como o que envolveu não só a seleção húngara de futebol, como o próprio Governo da Hungria.

Torcida húngara expondo uma faixa preconceituosa que dizANTI LGBTQ” durante o jogo contra Portugal.
Disponível em: https://ge.globo.com/

No decorrer de toda a competição (Eurocopa) a Hungria mostrou-se digna de ser odiável, seja pelos seus fãs, pela sua confederação ou até mesmo pelo próprio ministro de relações exteriores, Péter Szijjártó, que criticou fortemente o ato incentivado pela prefeitura de Munique de iluminar a Allianz Arena com cores LGBTQ+ durante um jogo decisivo entre Alemanha e Hungria, valendo a classificação para as fases eliminatórias. A alegação do húngaro foi de que a iniciativa era algo extremamente nocivo e perigoso, a chamando também de “Ato político”. A UEFA, entidade responsável pela competição, acabou surpreendentemente apoiando a decisão do ministro e proibindo qualquer manifestação durante a partida.

O que poucos esperavam é que todo esse alvoroço acabasse terminando da melhor maneira possível: Com um final feliz! O autor do gol que acabou eliminando a Hungria da competição foi marcado por nada mais nada menos do que Leon Goretzka, um dos maiores ativistas e manifestantes do mundo futebolístico atual, principalmente quando se trata de defender as cores da bandeira LGBTQ.

Após balançar as redes, o jogador foi comemorar em frente a torcida húngara com um gesto de coração, e repetindo a frase “Espalhe amor!”. Todo esse contexto deu um significado maior ao gol, possivelmente o transformando, por mais que seja algo espontâneo, em uma das maiores manifestações políticas dentro do futebol atual, pois envolveu o jogador ideal, com a motivação ideal e em um contexto ideal.

Leon Goretzka comemorando seu gol em frente da torcida húngara fazendo o símbolo de um coração. 

Allianz Arena, localizada em Munique, coberta com as cores da bandeira LGBTQ+

A Hungria teve o que mereceu, apesar de dificilmente passar a mensagem adiante. No entanto, o ato do alemão nos mostrou que nem tudo está perdido e que uma hora ou outra a punição para esse tipo de gente vai chegar. Ah, e o mais importante de tudo, ESPALHE O AMOR!

Comentários

  1. Muito bem escrito. Vovôpode é deve ficar orgulhoso!

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    1. Partindo de você o elogio vale o dobro. Obrigado, meu caro, meu Neto já te conhece e vai ficar orgulhoso.

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  2. Que surpresa encontrar o texto do Enzo neste espaço do vovô, dando um verdadeiro “olé” nesta bola dividida! Estou muito impressionada com a maturidade de suas reflexões sobre a questão da homofobia no futebol. Na verdade, sendo ele filho da Claudinha e neto do Fonte, eu não deveria estar surpresa com isso - mas realmente estou! É incrível ver que aquele menininho que vi nascer - e que outro dia mesmo ainda brincava com seus dinossauros de plástico - hoje é esse homem feito, cheio de ideias próprias, bem articulado e com uma invejável clareza de argumentação. Parabéns, Fonte! Vou ficar de olho nos próximos “episódios” do Enzo!

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  3. Escreve, argumenta e articula tão bem quanto o avô!

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  4. Eis um neto do qual me orgulharia.
    O cara é articulado e usa uma fluência clara sem abrir espaço para controvercias.
    Belo texto.

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  5. Fontenelle, o Enzo é um craque - para ficar no contexto do tema - ´da literatura. Todos que escreveram antes de mim já colocaram as qualidades que o definem como um craque. O Enzo também deve estar orgulhoso de ocupar um espaço de opiniões, o espaço do seu avô que nos brinda com posts de alta qualidade. Você, Climene e a família tem motivos para estarem orgulhos. Aguardo o próximo.

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