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Pandemia, Inflação, etc.

Estamos vivendo uma Pandemia, e nos vemos na necessidade de fazer mudanças em nossas vidas. Isso nos leva tomar decisões que, feitas em massa, tornam complicada a tarefa daqueles que calculam o índice de Inflação. 

Antes de mais nada vamos ver, no caso brasileiro, o que leva os estatísticos a chegar a um número que eles chamam de inflação. Existe uma profusão de índices. mais o oficial é o IPCA  (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE, e seu objetivo é "medir a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias, garantindo a cobertura de 90% (< 40 salários mínimos) das famílias pertencentes às áreas urbanas"

Já falamos deste índice em Post anterior de janeiro de 2.017:  https://ceticocampinas.blogspot.com/2017/01/a-inflacao-de-629.html . Na época o IPCA pesquisava o preço de 373 produtos que eram separados em 9 modalidades. O número de produtos deve ter sofrido mudanças (por exemplo. quase ninguém compra mais CDs para gravação) mas as categorias permanecem as mesmas. 

Fiz uso do Post de 2.017 para comparar qual o peso das 9 modalidades no orçamento das famílias em janeiro de 2.017 e em julho de 2.021. A tabela abaixo se constituiu na maior surpresa que já tive nos meus quase 10 anos de Blog;

Vamos tomar a Modalidade Educação como exemplo para entender a Tabela, porque ela me remete a uma discussão que tive com um amigo (um avô que pagava a escola particular do neto). Ele disse que "dar peso 4,65% à Educação era um absurdo, que meu peso (o do IBGE) estava errado, era muito mais que isso". Minha resposta foi que ~80% das crianças desse país desaprendem na escola pública, logo o peso devia estar correto já que quem frequenta escola pública não paga. Em 2.021 esse peso sofreu um aumento de 1,22% e foi para 5,87%, ou seja, este ano em média as famílias com renda média menor que 40 salários mínimos destinam 5,87% de sua renda para a Educação. 

Mas vamos ao que interessa, COMIDA. É aí que está a surpresa: Estamos dedicando 20,90% da nossa renda à Modalidade Alimentação e Bebidas, 4,93% menos do que dedicávamos em Janeiro de 2.017. A surpresa do meu amigo que em 2.017 criticou os números da Educação será a mesma: "Como assim, você não vai ao Supermercado? Não vê como os preços dispararam?".

E os preços de fato dispararam, e o índice que mais interessa àquele "idiota" (sic) que acaba de perguntar se comprar feijão não é mais importante que comprar fuzil se chama Índice de Preços ao Consumido (IPC) da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômica da USP), na sua modalidade Alimentação. A tabela abaixo dá a evolução do IPC - alimentação de Janeiro 2.107 a Julho de 2.021. A tabela também mostra como evoluiu o Salário Mínimo neste período.

É fato que o salário mínimo está altamente defasado. Segundo o DIEESE o salário mínimo necessário para uma família digna de quatro membros ter condição de se sustentar deveria estar em torno de 5 vezes o atual. Vamos então analisar o que ocorreu com essa família que teve sua renda de 5 Salários Mínimos nesse período, ou seja , ele variou de R$ 4.685 a R$ 5.500 (17,40%):
  • Se ela ganhava R$ 4.585 em Jan/17, sua despesa com alimentação e bebidas era de R$ 4.685 x 25,83% = R$ 1.210 (vide tabela inicial)
  • Se ela ganhou R$ 5.500 em Jul/21 sua despesa com alimentação e bebidas foi de R$ 5.500 x 20,90% = R$ 1,150. Menos do que gastava em 2.017.
  • Mas para manter o mesmo padrão de qualidade e/ou quantidade de alimentos, ela teria que estar gastando R$ 1.210 corrigidos com a inflação de alimentos de 32,88, ou R$ 1.608. 
  • Conclusão: uma família com renda de 5 Salários mínimos deve estar tendo um um suprimento de comida 28,5% inferior em quantidade e/ou qualidade ao que tinha em janeiro de 2.017.
Observem que o DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) considera este valor de 5 salários mínimos um mínimo necessário para uma vida digna de uma família de 4 pessoas. Isso significa que ela está gastando em média 1210/(4x30) = R$ 10,08 por dia por pessoa, quando devia estar gastando R$ 13,40. È claro que esses valores são inimagináveis para os que irão ler esses rascunhos. 

Mas são verdadeiros. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) do IBGE divulgou que a renda domiciliar per capita mensal em 2.020 ficou em R$ 1.380. Logo uma família de 4 pessoas tem uma renda familiar média de 4 x 1.380 = R$ 5.520. Os números casam. Estamos falando de uma família com renda de 5 salários mínimos. Uma família com renda menor que essa "não vive, apenas aguenta*". 

Já o Estadão de 26/08 traz uma lista alarmante, que envolve alimentos básicos e energia e combustíveis, de itens que superaram a inflação acumulada nos últimos 12 meses:

  • Óleo de soja: 78,75%
  • Etanol: 52,77%
  • Gasolina: 38,52
  • Arroz: 36,89%
  • Diesel: 36,27%
  • Carnes: 31,31%
  • Gás de botijão: 31,11%
  • Frango inteiro: 22,88%
  • Energia Elétrica: 20,86%
  • Café: 17,15% 
  • Iogurte: 14,09%
  • Ovo: 12,29%
  • Feijão: 10,67%
  • Leite: 9,49%
Fica então evidente que as classes menos favorecidas nos dias de hoje concentram as suas despesas nos seguintes itens essenciais para a sua sobrevivência:

  • Um cortiço alugado para morar
  • Um botijão de gás para cozinhar (existe o vale gás)
  • Uma conta elétrica para pagar
  • Uma reserva para o transporte urbano (existe o vale transporte)
  • Comida. 
A educação e a saúde ficam a cargo do poder público com a qualidade do serviço que conhecemos. 

Resolvi voltar a esse assunto e apresentá-lo aos meus poucos leitores (25,7 mil acessos nos últimos doze meses segundo o Google, sendo 21,3 mil nos Estados Unidos (podem ser robôs), 2,72 mil no Brasil, etc.), após ler o artigo do Celso Ming no Estadão de 18/julho, onde ele trata da inflação estatística frente os preços do supermercado. 

Celso Ming vai mais fundo ao considerar que a cesta básica do brasileiro da classe média, na pandemia que estamos vivendo, pouco tem a ver com o índice oficial da inflação. Os motivos para ele são vários:

  • Distanciamento social 
  • Home office
  • Encomendas por delivery
  • Mais despesas com internet, e energia elétrica em casa
  • Menos viagens
  • Menos despesas com condução ou combustíveis
  • Também com roupas e serviços pessoais
Mas como vocês viram acima na primeira Tabela, as mudanças nas modalidades das despesas só foram significativas em Alimentação e Bebidas (-4,93%) e Transportes (+2,81%). Assim, segundo Celso Ming, a percepção do consumidor é de que o impacto sobre o orçamento ficou mais forte que o espelhado pelos números oficiais". 

A tempestade perfeita nas contas das famílias juntou à pandemia a alta do dólar, os reajustes nos combustíveis, a correção dos preços dos aluguéis pelo IGP-M e o aumento no preço dos alimentos. A chegada da vacina, que em princípio deveria amenizar a situação, foi ofuscada pelo aumento ainda maior nos combustíveis, a crise hídrica que levou a bandeira vermelha para as contas de luz, o reajuste dos preços pelos setor de serviços, e a seca que elevou ainda mais o preço dos alimentos.

Tem mais: nós como sociedade ainda não percebemos o alcance da revolução que ocorre nas relações de trabalho, ainda entendemos que a indústria é a solução para o emprego nas áreas urbanas. O lobby da indústria desconsidera o fato de 75% da economia está no setor de serviços, que as novas tecnologias e aplicativos levarão certamente o emprego a segundo plano, e as ocupações autônomas irão prevalecer. 

Nossa cultura encara essa mudança de forma meramente burocrática, faz reformas que os sindicatos consideram como a consagração da informalidade, quando na verdade estão se defendendo do fato de que o novo ambiente não tem lugar para eles. Eles precisam entender que o Brasil não tem 15 milhões de desempregados porque não existe mais a possibilidade de gerarmos 15 milhões de empregos. 

A mudança tem que ocorrer de forma a adaptar nossa sociedade à nova realidade de que o emprego como entendemos está com os dias contados, e se preparar para encontrar formas de enfrentar esse desafio. Nesse aspecto podemos perceber que a pandemia que estamos enfrentando nos levará mais cedo a esse entendimento.

Mas somos brasileiros e temos "a estranha mania de ter fé na vida*". Por enquanto
Da canção "Maria, Maria", de Milton Nascimento

Comentários

  1. Desde sempre, estudamos que há uma inflação para cada categoria social. A variação do preço do aluguel é um iate de 50 pés pode até ter sido negativa no período de sua análise.
    Pobre não come arame farpado é por aí vai.
    O que fica é uma sensação de enorme decepção.
    Sem contar que há , especialmente na nossa operosa classe política, aqueles que confundem nível de preços com variação de preços.
    O post não vitaminou minha vontade de ver as coisas melhorarem. A culpa é do espelho que denuncia as rugas.

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