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Por uma Terceira Via - 1

Se a Montanha não vai a Maomé, vai Maomé à Montanha

Essa é a forma correta de se falar do episódio em que Maomé foi instado a realizar um milagre como prova daquilo que pregava. Maomé então ordenou que o monte Safa viesse até ele. Como o monte não veio, Maomé elogiou a misericórdia de Deus, porque Ele interveio para que a montanha não esmagasse a todos e acrescentou: "irei à montanha para agradecer a Deus por ter poupado uma geração de obstinados".

Esse episódio me veio à mente quando decidi expor neste espaço a minha visão do que a Montanha de políticos devia fazer, no sentido de viabilizarmos um candidato alternativo para Presidente da República em 2.022. Como a probabilidade da Montanha fazer o que deve ser feito é praticamente nula, esse Maomé de araque decidiu ir à Montanha.

Antes de mais nada uma observação: se você caro leitor é um "obstinado" defensor de qualquer um dois dois candidatos mais em evidência, Bolsonaro ou Lula, o melhor seria parar a leitura desse Post por aqui. Como diria a biógrafa de Voltaire numa frase célebre que acabou atribuída a ele, "eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo".

Meu esforço é no sentido de discutir com aqueles que não querem ter o desprazer de ter, a partir de 2.023 nem Lula nem Bolsonaro como presidentes, e isso seria possível se um dos dois não passasse ao segundo turno. Porem para isso será necessário abrirmos mão de um costume que temos de, no primeiro turno, votarmos no candidato que a nossa avaliação define como o melhor, ou o mais preparado. 

Vou dar um exemplo: na eleição de 2.018 tínhamos bons candidatos sem a menor chance de ir ao segundo turno, e muitos dos que não votaram em Hadad nem em Bolsonaro puderam dar a eles uma satisfação de terem ao menos recebido o nosso voto:

  • Ciro Gomes (PDT) teve 12,47% de votos no primeiro turno
  • Geraldo Alkmin PSDB) teve 4,76%
  • João Amoedo (NOVO) teve 2,50%
  • Cabo Daciolo (PATR) teve 1,26%
  • Henrique Meireles (MDB) teve 1,20%
  • Marina Silva (REDE) teve 1,00%
  • Os demais tiveram 1,50%
A soma dos que não votaram em Hadad nem em Bolsonaro foi de 24,60%. Só que Hadad teve 29,28% dos votos válidos, e Bolsonaro teve 46,03%. Logo, mesmo que aqueles que não queriam Hadad nem Bolsonaro tivessem votado em peso por exemplo em Ciro Gomes, ele não iria para o segundo turno. Assim pudemos exercer à vontade a utopia de votar no Partido Novo, ou nos mantermos do PSDB (<5%).

Para 2.022 a coisa é parecida. O Estadão de 28/11 traz uma reportagem excelente sobre a Terceira Via e suas incertezas. Segundo ela na pesquisa do IPeC (Instituto de Pasquisas Cananéia) de Setembro de 2021, a cotação dos candidatos à presidência é a seguinte:
  • Lula; 45%
  • Bolsonaro: 22%
  • Ciro Gomes: 6%
  • Sérgio Moro: 5%
  • Datena: 3%
  • João Dória: 2%
  • Luiz H. Mandetta: 1%
  • Rodrigo Pacheco: 1%
  • Alessandro Vieira: 0%
  • Simone Tebet: 0%
  • Brancos e nulos: 9%
  • Não sabe / Não responde: 5%
Ou seja, os demais candidatos além dos dois primeiros somam em torno de 19% das intenções de voto (base Setembro), e mesmo que eles chegassem a um acordo de abrir mão de suas candidatura em apoio ao mais à frente (no caso Ciro), ainda seriam necessários 3% dos votos para chegarmos ao mesmo nível de Bolsonaro, o segundo colocado. No entanto é importante observar que número de indecisos, em torno de 5%, pode tornar possível chegarmos ao segundo turno se esse acordo for feito.

Só que o acordo não será feito. Existem dois motivos para eu pensar que ele é quase inviável. O primeiro é que cada partido que se julga forte se vê no dever de ter candidato. 

O PSDB inclusive vai para as prévias com dois (pra não falar no Arthur Virgílio): João Dória, o governador do Estado mais rico, que se intitula o 'pai da vacina", e Eduardo Leite, o candidato mais jovem, cultivado pelos caciques do partido que não engolem Dória.

O MDB apresenta Simone Tebet, a única mulher nesta arena, numa tentativa de impedir que o partido não se aproxime dos dois favoritos.

O PSD foi atrás de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, mineiro que se assume como o novo JK.

O PDT pra variar continua com Ciro Gomes.

O DEM apresenta o ex ministro da Saúde Luiz H. Mandetta

O Cidadania vai com Alessandro Vieira, destaque na CPI da Covid.

O NOVO definiu um cientista político, Luiz F. D'Ávila, que deu entrevista convocando a centro direita a se unir com ele.

E temos ainda o Sérgio Moro, odiado por Petistas e Bolsonaristas e cortejado pelo Podemos.

O segundo motivo para mim é uma questão de vaidade pessoal. Os 9 nomes mencionados acima a meu ver entendem que é mais importante colocar em seus currículos o fato de terem sido candidatos a Presidente da República que se unirem em um esforço de salvar o Brasil de ter que escolher entre Lula e Bolsonaro. Essa escolha já teve que ser feita, só que Lula teve que apresentar um poste no seu lugar, e deu no que deu. 

A conclusão é que a Montanha não vai descer até nós, os pobres eleitores. Não corremos o risco de sermos esmagados, como bem disse Maomé. Só nos resta então irmos até a Montanha. A forma de fazermos essa tentativa é entendermos que vamos ter que abrir mão das nossas convicções no primeiro turno e carregar nossos votos naquele que terá a maior probabilidade de chegar ao segundo turno.

Hoje esse candidato seria Ciro Gomes, de acordo com a pesquisa acima. Ciro a meu ver não seria o candidato ideal para enfrentar Lula num hipotético segundo turno. Eles se parecem demais e a centro direita corre o risco de evitar votar em qualquer um dos dois. Paciência. A não ser que as coisas mudem eu votaria no Ciro se as pesquisas na véspera da eleição não mudarem de rumo.

Sérgio Moro no segundo parece que segue o mesmo raciocínio. Ele é odiado pelos dois extremos que dividem o nosso espectro político. Mais uma vez paciência. Teria que votar no Moro se ele fosse o mais cotado entre o nove.

A solução ideal seria a ascensão de um candidato que conseguisse agregar o centro e a direita e ao mesmo tempo ser palatável pelos eleitores que vissem seu candidato não ir para o segundo turno. Mas aí surge um problema: com certeza o sonho dourado de Lula e Bolsonaro é manter as coisas como estão, uma Terceira Via fragmentada e sem chance de perturbar o segundo embate. Nada me impede de pensar que talvez exista nessa lista candidatos especialmente destinados a manter esse estado de coisas. A lista não deve diminuir e será difícil que um candidato se sobressaia com força suficiente para ameaçar os dois favoritos. 

Maomé vai ter que acreditar que isso pode ocorrer. Minha sugestão é que aqueles que se dispuseram a ler esse rascunho até aqui assumam uma postura otimista e tomem as seguintes decisões:
  1. Escolham entre seus amigos(as) mais chegados pessoas que se encontram nesse dilema de não querer os dois no segundo turno e não saber o que fazer.
  2. Enviem esse Post para eles(elas), pedindo que elas façam o mesmo com seus amigos mais chegados; vamos tentar a partir de agora criar uma pirâmide com o objetivo de chegarmos com uma alternativa viável para a Terceira Via.
Estou ciente dos riscos de tomar a decisão de criar posição nesse assunto, motivo pelo qual peço que ele seja tratado com a seriedade que ele requer.

Boa sorte para todos nós. Vamos ver o que os comentários dirão. 

Comentários

  1. Difícil.
    Compartilho da sua ansiedade mas não me arrisco na elaboração de alternativas.
    Acho Ciro um jagunço cheio de péssimas intenções.
    Acho que precisamos desesperadamente de justiça, mas não vejo experiência em Moro, que preferiria no STF.
    Resumo, prefiro sonhar com algum desdobramento e deixar chegar mais perto.
    Não descarto impeachment de Bolsonaro.
    Ele se empenha bastante.
    Mais difícil seria o TSE impugnar a candidatura de Lula mas sonhar ajuda.

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    1. Caro Francisco
      Concordo com você, e deixei isso claro, Post, que o mais cotado de hoje, Ciro Gomes, não é o substituto ideal dessa dupla que está à frente, Lula e Bolsonaro. O importante aqui é saber se isso é motivo suficiente para não tentar evitar que um destes, que já comprovaram com sua passagem na Presidência sua falta de preparo, tenha a oportunidade de ser reconduzido a ela. Meu bolso e minha alma não conseguem concordar com isso.
      Quanto ao impeachment de Bolsonaro, acho que nem Lula iria concordar com isso. Concordo que a Terceira via seria tornada possível mas a Montanha não vai permitir que isso ocorra.

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  2. Bom artigo, Fontenelle, gostei! Essa pesquisa do Ipec é confiável? Em geral elas andam muito desacreditadas. Se for uma pesquisa honesta, então estamos em maus lençóis. O principal candidato da Terceira Via tem "não presto!" escrito na testa. Nenhum deles tem a minha confiança. É isso aí. O voto é um depósito de confiança. O candidato tem de merecer a confiança do eleitor. Os dois candidatos melhor colocados na pesquisa estão longe de merecer minha aprovação. Vou votar no menos ruim. Espero que a Terceira Via não atrapalhe, com a ilusão de que haveria um candidato menos ruim.

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    1. Caro Raul
      Acho que o IPEC merece crédito pelo simples fato do Estado de São Paulo publicar suas pesquisas. Já respondi ao Francisco sobre suas dúvidas a respeito do perfil da escolha que temos agora. Vamos ter paciência e esperar que as coisas mudem.
      Torço para que você mude de opinião quanto a escolher entre o menos pior dos dois.
      Um abraço.

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  3. Desculpa não posso deixar barato um dos melhores gestores de administração publica que o Brasil já teve, com premios da Unicef por reduçao de mortalidade infantil, graduado em Harvard, campeão de projetos efetivos de educação aplicados em um estado pobre, com um plano de desenvolvimento que apenas defende a aplicação de melhores pr´áticas internacionais nas áreas fiscais e de governança, um cara que debate com inteligência e precisão as realidades nacionais, que tem um plano estratégico e que dialoga politicamente e cordialmente com todas as correntes no país de direita e esquerda e que fundamentalmente é honesto e anti corrupção de forma até apaixonada. Um cara que ama o Brasil e não se comporta como uma ameba racional, chamar um cara desses de jagunço é , a meu ver, uma atitude preconceituosa e simplista, demais. Não creio que no primeiro turnno devamos votar por resultado de pesquisas que sempre podem ser manipuladas de uma forma ou de outra. Prefiro Ciro.

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    1. Amigo Amaro
      Somos amigos desde 1969, acho. São 52 anos de um relacionamento no qual conseguimos chegar a um entendimento preciso do que pensamos, um do outro e cada um do universo que nos cerca. Conhecemos a opinião de cada um a respeito de quase tudo.
      Concordo com você que Ciro Gomes é uma pessoa preparada, cheia das qualidades que você mostrou acima. Só que ele tem defeitos graves que a meu ver não o tornam meu preferido para comandar o Brasil, sendo o principal a sua capacidade de criar desafetos. Mesmo assim eu declarei meu voto nele caso ele chegue à frente nas pesquisas dos candidatos da chamada terceira via.
      O resto são opiniões de pessoas também minhas amigas. Vai me entristecer muito pensar que este espaço se torne uma arena que vai apenas demonstrar o grau de polarização a que chegamos.
      Ao me dispor a expor meu ponto de vista a respeito desse assunto, de extrema gravidade para o futuro, não mais nosso mas dos nossos netos, me preocupei com ataques mais difíceis de identificar. Afinal são mais de 500 acessos por semana. Pena.
      Um grande abraço.

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  4. Quanto ao meu bolso. Só perdi dinheiro com as políticas liberais do Guedes. No Brasil não existem liberais fora o Reinaldo Azevedo. São todos espertalhões encobrindo suas negociatas com o manto da liberalidade de mercados. E vão continuar com Lula, onde sempre estiveram.

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  5. Ótimo texto, só q já me sinto esmagado pela montanha de más opções !!

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