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A Polarização Social


A Polarização entre os pensamentos de esquerda e direita passa por um processo de crescimento que se acentuou nos últimos anos, e culminou com a aceitação da violência como um meio justificável para que sejam atingidos os objetivos políticos. Nos Estados Unidos se estimava em 2019 que 20% dos partidários de ambas as tendências defendiam que a violência até podia ser aceita se seu partido perdesse as eleições de 2020. Já entre 2020 e 2021 a percentagem das pessoas que diziam que protestos violentos eram inaceitáveis caiu de 82% para 76%, sendo mais baixo nas classes privilegiadas. 

Um estudo publicado em 2018 pesquisou 8 mil americanos e identificou 7 grupos de pessoas que tinham diferentes crenças ideológicas. Dois deles foram identificados como:

  • Conservadores Radicais - esse grupo responde por 6% da população, e seus membros são fortemente engajados politicamente, e têm uma retórica estridente e inflexível. Eles se consideram os últimos defensores dos valores tradicionais que estão ameaçados pela extrema esquerda. Foi esse grupo que esteve no comando da invasão do Capitólio na tentativa de impedir que Joe Biden fosse declarado presidente. 
  • Militantes Progressistas - é o grupo de extrema esquerda, que responde por 8% da população, e está fortemente sensibilizado com o bem estar e a igualdade, em particular no que tange à raça, ao gênero e a outras identificações dos grupos minoritários. Seu discurso combate as estruturas do poder, as responsabilizando pela manutenção das desigualdades. Este grupo é o que tem maior presença na mídia, e está muito bem representado dos protestos nas universidades e nos deslocamentos das massas em favor das causas progressistas. 
O que leva esses dois grupos, que respondem por apenas 14% da população dos Estados Unidos, a terem uma influência gigantesca na política americana é a forma como eles expressam um enorme ódio um pelo outro. Eles possuem similaridades. Os Conservadores Radicais são o mais "branco" entre todos os grupos (88%), mas surpreendentemente eles são seguidos pelos Militantes Progressistas com 80%. Ao mesmo tempo os Militantes Progressistas são o grupo mais rico (e mais culto) e são seguidos de perto pelos Conservadores Radicais.

Todas as pesquisas nesse sentido evidenciam o crescimento entre os chamados brancos liberais dos temas relativos à raça e à identidade. Em função da velocidade e o fervor com que os brancos americanos estão abraçando as novas convicções a respeito de raça, gênero e imigração, essa tendência recebeu a alcunha de "o Grande Despertar". Ela teve inicio em 2014, antes da era Trump. 2014 foi um ano de dois grandes assassinatos por parte da polícia, Michael Brown em Ferguson e Eric Garner em Nova York, e isso levou os brancos liberais a se moverem para a esquerda nas questões de raça, imigração e gênero, mais até que os negros (e sem dúvida mais que os brancos conservadores). 

Os americanos, viciados em estatística, detectaram também um frequência maior no emprego de palavras relacionadas com justiça social. Esse termo teve na mídia um crescimento de mais de 400% entre 2010 e 2018. O mesmo ocorreu com palavras relacionadas com a intolerância, tais com sexismo, homofobia, transfobia (aversão aos transexuais). 

Esse movimento não se limitou aos brancos liberais dos Estados Unidos, nos campus universitários e fora deles, e se espalhou entre as democracias liberais que estavam sendo sacudidas pelos movimentos populistas, em particular aqueles de extrema direita. Essa mudança na forma como se comporta a sociedade fez com que as velhas regras deixassem de ser aplicadas. Ela teve tudo a ver com a forma como nos conectamos atualmente, com o crescimento exponencial da Internet, principalmente o das plataformas de mídia social. Mas essas plataformas já estavam disponíveis desde 2004, então o que explica essa mudança apenas 10 anos depois?

Os especialistas acreditam que o fator que disparou a justiça social (e outras iniciativas) na internet foi a introdução da tecla gosto pelo Facebook em 2009, combinada com a da tecla retweet pelo Tweeter em 2011 (ambas devidamente copiadas). Antes delas as postagens eram na sua maioria pessoais, não políticas, e a mídia social não era polarizada, mas com elas os usuários encontraram uma forma de dizer com o que eles concordavam, e faziam isso num velocidade enorme. Com isso as empresas de mídia passaram a ter mais informação a respeito de como se comportavam seus usuários, e com o emprego de algoritmos passaram a otimizar a capacidade das plataformas de tornar seus usuários mais engajados em grupos de pensamento comum. 

Fica entendido então que quando você, por mera cordialidade, aperta a tecla gosto em uma postagem do Facebook, ou demonstra a mesma cordialidade no WhatsApp, você está automaticamente envolvido nos algoritmos do Mark Zuckerberg, e de lá não mais sairá.

No início se pensou que esse compartilhamento em massa iria ser bom para a democracia, em especial quando uma página no Facebook comandou uma revolução no Egito, derrubando uma ditadura corrupta em menos de um mês. No entanto o rápido crescimento de declarações públicas de ódio, não apenas contra ditadores mas também contra intelectuais, pessoas que dizem algo contrário à sua linha de pensamento, passamos a conviver com uma mudança a nível global.

Nos Estados Unidos essa postura encontra suporte pelo fato de existirem apenas dois Partidos Políticos fortes, e o líder maior (evito dizer seu nome para não ser inundado por robôs) ter se apoderado de um deles trazendo consigo os Conservadores Radicais, o que levou os Militantes Progressistas pro outro lado. Ou seja, a polarização social está presente e leva consigo os dois partidos políticos:

Conservadores Radicais > Republicanos
Militantes Progressistas > Democratas

No nosso caso existe um profusão de mais de trinta partidos, o que resulta em no frigir dos ovos eles terem quase nenhuma importância em termos políticos. Eles fazem uso desta "jabuticaba" para se tornarem meros defensores de privilégios para eles próprios.

Uma coisa no entanto me chama atenção: A percentagem do que chamaríamos de extrema direita e extrema esquerda na sociedade americana não passa de um total de 14% dela (6% de Conservadores Radicais e 8% de Militantes Progressistas), e é de se esperar que esses valores se repitam por aqui. O que faz com que a visibilidade com que essas minorias na mídia seja muito maior que esses números é proveniente do fato que eles dominam muito mais os aplicativos de relacionamento que a Maioria Silenciosa. Ou seja, aquela minha percepção anterior que o perfil da nossa sociedade não mais seguia uma distribuição normal estava errada. 


O que acontece na realidade é que a Maioria Silenciosa não sabe fazer uso dos aplicativos com a mesma eficiência que os extremistas. E essa conclusão se aplica aos partidos não extremistas. Os eleitores de centro, pela incompetência dos seus partidos de motivá-los, se veem jogados para um lado ou para outro da curva acima. Foi isso que se viu no primeiro turno deste ano. 

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Agora vamos dar exemplos de como o domínio da mídia pelos extremistas pode nos transformar numa sociedade praticamente inviável. Vamos imaginar que somos pais de uma das 20 crianças de seis e sete anos que, junto com seis funcionários de uma escola pública em Connecticut, foram assassinados por um adolescente que, em seguida, matou a sua mãe e se matou. Isso em 2012.

O normal seria a nação inteira se mobilizar em solidariedade aos envolvidos nesse acontecimento trágico; algumas autoridades de forma quase inútil aproveitarem a oportunidade para condenar o armamentismo da sociedade. Mas não, ocorreu justamente o contrário.. O site de extrema direita InfoWars (https://www.infowars.com/) considerou o ataque uma "gigantesca encenação" do governo Democrata na tentativa de aprovar o confisco das armas dos cidadãos americanos.

Os pais das crianças passaram ser alvo de todo tipo de ameaça, alguns sendo obrigados a se mudar e se verem impossibilitados de visitar o túmulo dos seus filhos. À dor de ter um filho assassinado se juntou a situação de ter que viver escondido dos extremistas. 

Aqui no nosso quintal seria o caso de se dizer: "isso é um problemas deles que não iria ocorrer aqui". Menos. Em um grau quase equivalente já está ocorrendo. O fenômeno QAnon, criado para denunciar a existência de um "Estado Profundo" controlado por uma elite praticante de pedofilia a satanismo, visando destruir a sociedade conservadora americana, já está estabelecido na América Latina. 

Vejamos um exemplo tupiniquim: uma ex ministra do atual governo, eleita senadora recentemente, famosa por seus pronunciamentos um tanto absurdos, em evento religioso em Goiânia, afirmou que crianças de 3 e 4 anos são vítimas de tráfico de pessoas, têm seus dentes arrancados para não oferecerem risco ao sexo oral, e são alimentadas com comidas pastosas para manter o cólon limpo para a penetração. Disse também ter vídeos de crianças de oito dias sendo estupradas. 

Tudo isso foi dito em um culto evangélico diante de centenas de crianças, e funcionava como um alerta para defender o país de uma eventual vitória daquele a pretensamente apoiava esse estado de coisas. Quando questionada ela não apresentou o vídeo que dizia ter, e encaminhou documentos que não provavam nada do que disse. Acabou por confessar que tinha ouvido essa história nas ruas. 

Poderíamos creditar esse absurdo ao fato da ex ministra ser dada a dizer coisas sem sentido, mas não é bem assim, Esse assunto foi tirado de sites do QAnon, devidamente adaptados à nossa realidade. Lá as crianças recebiam próteses de silicone, mas aqui elas ficam sem dente mesmo. Ou seja, não existe nada impensado aqui, é tudo uma cópia dos inventores do Estado Profundo. 

O resultado disso foi como uma bomba atômica que se espalhou por todo o país, e até representantes da igreja católica embarcaram nessa. E assim vamos rapidamente nos encaminhando para um totalitarismo religioso, ou quem sabe até uma guerra santa. A escolha é nossa.






Comentários

  1. Prezado, você informa e expõe muito bem.
    O que vejo: muito triste e aterrorizante tudo isso. Minorias que se fazem grandes, com meios perversos, ruins para todos, pois violência gera violência, desprezo e desrespeito gera dor e raiva e estas duas coisas levam ao desatino e descontrole, cuja reação mais obvia é agressividade, violência.
    Ou seja, virá um círculo vicioso e destrutivo!
    Fico pensando, se o que predomina é aquilo em que colocamos foco, será que temos algo bom, bonito, que promova simpatia, harmonia, alianças cordiais e pacíficas, em que pudéssemos ficar e dar espaço para o bem passar e encantar.
    Esperança ...

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  2. É lamentável a nunca vista batalha incondicional para se manter no Poder; vale atirar para todos os lados contra o TSE, urnas eletrônicas, pesquisas, e, por último, a inserção de propaganda em rádios e TVs. Por quê envolver Religião tão intensamente nas campanhas políticas? Aonde vamos chegar? será que os conservadores radicais e os militantes progressistas estão fazendo um bom uso das mídias sociais. E o voto da mulher nunca valeu tanto.

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