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Uma Visão de Fora da Nossa Eleição

Nada mais correto para quem está envolvido em uma disputa feroz do que recorrer à opinião de quem não faz parte dessa disputa. Com base nessa verdade eu procurei em várias fontes aquela que julgasse a mais isenta para apresentar o que eu chamaria de um Raio X (Tomografia para os mais atualizados) da situação que estamos vivendo.

O site Persuation, do qual eu sou seguidor, foi aquele que escolhi e que transcrevo em seguida. Ele trouxe no dia 03 de outubro uma avaliação do primeiro turno da nossa eleição. Essa avaliação começa com uma afirmação temerária: 

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O Brasil possui poucas salvaguardas para se prevenir de um golpe de estado.

Nos eventos de 6 de Janeiro de 2021 na cidade de Washington D.C., a turba de apoiadores de Trump que quebrou as linhas de defesa da polícia e invadiu o Capitólio para, sem saber direito o que fazer em seguida por não entender como funciona um golpe de estado, resolver se retirar. 

Esse gesto de retirada se deveu às verdades implícitas no sistema politico Americano, aquilo que todos entendem sem que seja necessária nenhuma explicação. A mais importante sendo que são os cidadãos civis que decidem quem será o próximo presidente. Nem mesmo o mais radical agitador esperava que as Forças Armadas Americanas iriam se envolver nesse ato. Isso veio a funcionar como um escudo mental para a sociedade Americana: por mais agressiva que tivesse sido a invasão, não haveria a menor possibilidade de golpe militar.

Em seguida vamos imaginar o 6 de janeiro em um país que não tem este escudo mental. Um país com tradição democrática pequena e uma longa história de envolvimento militar na política, onde milhões de pessoas idosas se lembram de terem crescido sob uma ditadura militar, e nem todas odeiam essa experiência. Pior ainda, vamos tentar imaginar isso ocorrendo em um país onde o titular atual, um oficial do exercito reformado, não faz segredo de sua preferência do militarismo acima do regramento civil. 

Então boas vindas ao Brasil de 2022. 

Terminado o primeiro turno no dia 02/10, o Brasil se encontra no fio da navalha. O titular Jair Bolsonaro, fã de Donald Trump, ultrapassou as expectativas e ganhou 43,2% dos votos válidos, ficando 5 pontos atrás do seu oponente de esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um segundo turno está marcado para 30/10.

Por meses Bolsonaro foi claro em dizer que não vai aceitar a derrota nas urnas, alegando que ele pode imaginar três saídas para si: prisão, morte ou vitória. Com um estilo que faz Trump parecer um amador, Bolsonaro se engajou numa campanha para "parar a roubalheira". Um relatório publicado pelo seu partido alega que as autoridades eleitorais possuem "poder absoluto para manipular o resultado das eleições sem deixar rastro". Ele tem repetidamente alegado fraude tantas vezes que se encontra sob investigação pela Suprema Corte Brasileira. Que ele irá tentar permanecer no poder de forma não constitucional basicamente remonta a uma promessa de campanha.

A crise constitucional em andamento foi firmemente estabelecida há meses. Sendo bem explícito nos seus objetivos, Bolsonaro apresentou o elemento surpresa: oficiais militares em toda a cadeia de comando se prepararam para as poucas semanas entre aos dois turnos o ano inteiro. Quando uma ordem presidencial que irá implicar na não aceitação do resultado da eleição chegar (e ela vai chegar) os militares Brasileiros terão que se decidir. Eles tiveram muito tempo para planejar este momento, e é de se presumir que eles devem saber como vão proceder. Mas ninguém tem certeza de como será a sua reação. Até que a ordem venha, qualquer predição de como eles irão proceder é tão boa como qualquer outra. 

Um golpe militar não deixa de ser uma probabilidade. A maioria da cúpula militar possui a convicção de não interferir na política. No entanto entre muitos oficiais sêniores, o que inclui o Ministro da Defesa Paulo Nogueira, seu tempo de farda se sobrepõe ao da última ditadura militar Brasileira, que governou o país até 1985. Para esses uma ditadura militar não é algo impensável.

Esta situação deixa os democratas brasileiros com problemas. Eles têm poucas escolhas exceto se alinhar com uma figura errática. Agora com 76 anos, Luiz Inácio Lula da Silva é um antigo líder sindical de esquerda que foi presidente do Brasil de 2003 a 2010. Lula - como é chamado - foi o primeiro líder da esquerda a assumir o poder desde a ditadura militar. Durante o seu mandato, ele instituiu o ambicioso programa Bolsa Família, que transferia recursos federais para os mais pobres e ajudou a reverter um histórico aumento da pobreza no país, com dezenas de milhões de pessoas ingressando na classe média pela primeira vez durante o seu mandato.

Ele também, infelizmente, presidiu sob um império de corrupção cujos tentáculos atingiram o governo Brasileiro, companhias estatais, firmas privadas, e outros governos da América Latina e mesmo da África. Durante seu mandato, seu partido fez uso de fundos públicos para comprar congressistas de cujo apoio precisava com valores mensais de até US$ 12.000. Na verdade, em 2018 e 2019 ele cumpriu os primeiros 1,5 anos de uma sentença de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. 

É verdade que ele foi perseguido por seus inimigos políticos - o juiz a cargo desse julgamento mais tarde aceitou uma indicação como Ministro da Justiça de Bolsonaro. Mas as acusações de corrupção contra Lula dificilmente podem ser consideradas infundadas: não existe falta de evidência no seu julgamento, e sua condenação foi mantida em segunda instância. Ela foi no entanto anulada com base em irregularidades jurídicas.

Pelos padrões dos líderes Latino Americanos desta era, Lula não foi um dos piores. No entanto ele não é o salvador como consideram seus apoiadores. A impressionante queda da pobreza durante o seu mandato se deve mais ao crescimento do preço das exportações Brasileiras tais como soja, petróleo bruto e aço que às suas alardeadas políticas sociais. Suas promessas de recuperar sua mágica se reeleito têm pouca credibilidade: temos um mundo muito diferente agora, o Brasil não tem acesso aos fertilizantes de que precisa para exportar seus grãos em virtude da guerra na Ucrânia, e as finanças públicas não estão em condição de suportar novos enormes programas de despesas. A extensão da corrupção e do suborno durante o seu mandato surpreendeu até mesmo os mais experientes observadores da política Brasileira. Há agora muito pouco restante do antigo brilho reformista de Lula. 

Mas não há escolha. Quando deparados com um mandatário abertamente hostil à democracia, os democratas Brasileiros não podem ser exigentes. Entre seus muitos e graves defeitos, Lula nunca pôs em perigo mortal a democracia Brasileira. Bolsonaro sem dúvida o fez. 

Com as pesquisas mostrando uma grande liderança de Lula, muitos esperavam uma vitória decisiva de Lula no primeiro turno, diminuindo as chances de Bolsonaro pôr em prática a sua estratégia golpista. Agora que o presidente em exercício excedeu as expectativas, o que vai acontecer é infelizmente fácil de prever. Lula poderá vir a ganhar o segundo turno em 30 de Outubro; Bolsonaro poderá tentar anular o resultado utilizando o poder das ruas e das casernas. Os milhões de votos para um lado ou para o outro poderão não decidir quem irá liderar a quarta maior democracia do mundo: os homens com as armas no fim das contas irão tomar as decisões que interessam. 

Se isso vier a ocorrer a democracia Brasileira será a grande perdedora. 



Comentários

  1. Boa listagem de argumentos para quem ainda está, como eu, na dúvida de escolher o menos pior. Registro a recomendação de optar pelo Lula mas ainda não estou convencido.

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  2. Concordando com sua análise e com o Roberto G. Pinheiro acima, temos que concordar a escolha é extremamente difícil!

    Em qualquer país, com poder judiciário isento, um candidato com condenação em dupla instância não poderia ser elegível.

    É a escolha entre a tese de um possível "eventual" golpe e a "real" ascenção de um cidadão que afronta a legalidade com a sua ficha suja.

    Difícil, muito difícil...

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  3. Meu caro Fontenelle, você escreve muito bem e geralmente estou de acordo, mas desta vez permita-me discordar de trechos do texto que você citou e daquele que escreveu.

    1. o titular atual, um oficial do Exército reformado, não faz segredo de sua preferência do militarismo acima do regramento civil. Discordo. O que ele manifesta é justamente o contrário.

    2. Por meses Bolsonaro foi claro em dizer que não vai aceitar a derrota nas urnas, alegando que ele pode imaginar três saídas para si: prisão, morte ou vitória. Discordo. Bolsonaro diz que, se perder, vai passar o bastão.
    3. A suspeita em torno do sistema de apuração eleitoral só existe porque não há forma de auditar as urnas eletrônicas e o processo de votação e apuração.
    4. Alguns ministros do STF têm desrespeitado e abusado do poder que lhes confere a Constituição e já deveriam ter sido afastados há muito tempo sem que isso configure qualquer golpe, pois o afastamento deles está previsto na própria Constituição.
    5. Se houver desarmonia entre os poderes, é dever constitucional das Forças Armadas intervirem para restaurar o equilíbrio. Isso não seria golpe, mas a aplicação de artigo previsto na Constituição.
    6. Lula presidiu sob um império de corrupção cujos tentáculos atingiram o governo brasileiro, companhias estatais, firmas privadas, e outros governos da América Latina e mesmo da África. Durante seu mandato, seu partido fez uso de fundos públicos para comprar congressistas de cujo apoio precisava com valores mensais de até US$ 12.000. Na verdade, em 2018 e 2019 ele cumpriu os primeiros 1,5 anos de uma sentença de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Concordo.
    Além disso, Lula iria:
    Lula iria:
    . incentivar as invasões de terra
    . Promover a cisão entre o povo e o que ele chama de Elite
    . Aumentar o inchaço da máquina pública
    . Aumentar os impostos
    . Aumentar o número de ministros do STF que infringem a própria Constituição que deveriam defender
    . Aumentar o tamanho e o porte das estatais
    . Aumentar o tamanho e o aparelhamento político dos serviços públicos
    . Aumentar a dificuldade de empreender no Brasil
    . Descriminalizar o aborto livre
    . Restringir a liberdade de autodefesa dos cidadãos
    . Dificultar a Defesa Nacional
    . Remontar o esquema de corrupção nas estatais
    Etc.
    Se você não quer Bolsonaro, é melhor votar em branco do que relevar o que ele fez.

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  4. De acordo com o amigo Fontenelle.
    Não tenho opção de voto.
    Insegurança jurídica para o País.

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  5. As divergências listadas descrevem pontos que não foram discutidos na campanha. Não houve avanço no entendimento dos problemas reais do país e aí está o resultado. A tal polarização foi construida artificialmente e incentivada pelo PT e a mídia pensando que seria suficiente para ganhar sem problemas. A campanha passou a ser uma sucessão de resultados de pesquisas, provavelmente manipuladas, sem discussão daquilo que é o mais importante: como tirar o Brasil do estado deplorável econômico, social e moral em que se encontra. Um candidato partiu para uma crítica ao Sistemão comandado pelo mercado financeiro, que comanda o jogo de pesquisas como formador de opinião pública, e foi incensado e enterrado definitivamente da cena política nacional. O Brasil merece portanto o governo que for eleito, seja qual for. Um país que tem tudo para ser uma grande potência do século vai evoluir, sem dúvida, aos trancos para uma posição coerente com tal potencial. Vamos ver como este processo vai ocorrer.

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  6. Fontenelle, o artigo mostra muito bem o grande dilema do Brasil. A quarta maior democracia do mundo não saiu para os primeiros passos. Infelizmente ainda estamos gatinhando. Abraços

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