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Chegou a Hora da Petrobras

Em entrevista antológica à revista Época de 08/12, o desembargador Fausto De Sanctis chegou de forma rápida e clara ao veredicto que eu venho ruminando há anos. Para ele,

"os fatos praticados pelas empresas envolvidas na Lava Jato são gravíssimos e, se confirmados, as consequências previstas em lei são a suspensão das atividades, a perda dos bens e a dissolução, se for o caso. Se o objeto de uma empresa é a prática criminosa, ela tem que ser encerrada. Essa tem que ser a resposta. O país não parará, ele já parou há muito tempo. Não temos sistema de saúde ou educação, estão parados! A gente só finge que eles existem".

Pra mim está claro que ele está se referindo principalmente à Petrobrás, não apenas às empreiteiras que há décadas fazem a ponte pedagiada entre as empresas estatais e os donos do poder. Mas aí surge um problema: nossa incompetência em ver o óbvio, e nesse caso o óbvio é que as estatais não morrem por definição, e não morrendo não têm compromisso com a sua saúde, nos levou a pôr em nossa Constituição um artigo, o 177, que declara monopólio da União:
  • a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás naturas e outros hidrocarbonetos fluidos;
  • a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
  • a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
  • e por aí vai.....
Ou seja, está na Constituição a decretação da imutabilidade do estado de coisas que nos levou a uma humilhação que, se fossemos um país sério, deixaria no chinelo o vexame da Copa de 2014. Para encerrarmos a Petrobrás seria necessário mudar a Constituição, e sabemos que isso só acontecerá com uma total mudança política.

Talvez o único candidato que defendeu essa heresia, a privatização da Petrobras, tenha sido o Levi Fidelix. O Eduardo Jorge por sua vez fez uma abordagem do assunto que eu considerei a mais correta, com ampla discussão sobre os problemas que a Petrobras iria enfrentar com o grande investimento a ser feito no Pré-sal. O PSDB, na sua covardia costumeira, foi fustigado pela situação e fez questão de dizer que aquilo tudo era uma infâmia. Os movimentos sociais e as centrais sindicais voltaram ás ruas na defesa do monopólio. A Dilma afirmou com todas as letras que os tucanos iriam privatizar o pré-sal. 

E deu no que deu. Só que os ladrões nunca iriam imaginar que chegaríamos a uma situação como essa, As vísceras da Petrobras foram expostas de uma forma que surpreendeu a todos, e a areia da praia desses caras já se expandiu de uma forma tal que o resultado só pode ser um enorme tsunami a se aproximar. Ou não...

O que me deixa mais otimista com o desfecho disso tudo é a resposta que está sendo dada "offshore". A Petrobras tem ações negociadas em Bolsa de Nova York (NYSE), e sendo assim ela tem compromissos fortes com a legislação americana. Um exemplo claro dessa situação é a negociação de títulos da dívida argentina, o que levou a Argentina a derrotas em série junto ao Judiciário daquele país. Pois bem, nesta segunda feira, 08/12, investidores americanos protocolaram uma ação civil pública contra a Petrobras. Eles são representados pelos escritórios Wolf Popper e Almeida Law, nos EUA e no Brasil. São investidores institucionais que compraram ações (ADRs) entre maio de 2010 e novembro de 2014. mas sugerem que os investidores pessoa física ou jurídica se juntem a eles no processo. Deram o prazo de adesão até 06/02/2014. 

Na ação os investidores alegam que a Petrobras violou artigos da "Securities Exchange Act", a legislação que regula as empresas de capital aberto nos Estados Unidos, à qual também estão sujeitas empresas que negociam ADRs por lá. As alegações são graves:
  • A Petrobras emitiu material falso;
  • Não informou seus acionistas sobre o esquema de corrupção que se espalhou sobre a empresa desde 2006.
A presidente da Petrobras foi informada pela holandesa SBM que funcionários da estatal receberam propina, comunicado feito há 5 meses, e não informou aos seus acionistas, o que fere a lei americana. Eles acusam a estatal de ter penalizado seus acionistas ao superfaturar o valor das propriedades e equipamentos, usando o excedente para beneficiar partidos políticos. Com isso o preço das ADRs caíram de US$ 19,38 para US$ 10,50 entre 05/09 e 24/11, uma queda de 46%.

Clientes brasileiros que possuem ADRs participam dessa ação. A data de 2010 se refere ao fato de que foi nessa ocasião que os papéis da Petrobrás começaram a se descolar dos papéis das outras petroleiras. Eles se valorizaram enquanto os da Petrobras só perderam valor de mercado. A alegação é a de que a queda do valor das ADRs é resultado direto da revelação da fraude, e que não é aceita a desculpa de que as perdas sofridas seriam decorrentes de mudanças nas condições do mercado. 

Em novembro a SEC (Securities and Exchange Comission) abriu investigação para apurar as irregularidades na Petrobrás, e em seguida o Departamento de Justiça dos Estados Unidos deu início a uma investigação criminal para apurar os fraudes em seus contratos. 

Dessa vez vai ser difícil chamar esses fundos de abutres. O país está passando por um processo de descrédito junto ao mercado financeiro internacional que vai contaminar todo o nosso mercado de ações. Não serão só as ADRs da Petrobrás que vão sofrer com tudo isso. Todo o nosso mercado de ações está sob suspeita. 

E qual foi a resposta da Petrobrás? A mesma que ouvimos e vemos com frequência nesse fundo de quintal jurídico em que vivemos: "ela ainda não foi intimada da ação judicial". Ou seja, vamos receber oficialmente a intimação para só então começamos a nos mexer. 

Só existe uma solução para essa situação: tirar da Petrobrás qualquer interferência de qualquer órgão do governo. Em uma palavra: privatizá-la. Não há como deixar pra mais tarde uma solução que está tão evidente, em uma ocasião que torna indefensáveis todos os argumentos contra a mesma. Como disse o Sr. De Sanctis, o país não vai parar. Ele já parou. 

Comentários

  1. A atividade econômica é absolutamente incompatível com a atividade política. Governos têm que agir como reguladores da atividade econômica, nunca como executores diretos. Não há como se escolher um político que compõe a base de sustentação política de qualquer governo baseado em sua competência empresarial; é uma contradição em termos. Não é por seus méritos e/ou competências empresarias que são eleitos. Se o Brasil já tivesse privatizado a Petrobrás seguramente estaríamos com assento na OPEP; por enquanto só há reserva de assentos para nossos governantes e prepostos nas penitenciárias.

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  2. Você está certo. Só que eu acho que nesse caso conceito de que "o petróleo é nosso", jargão de muitas décadas e bandeira dos que se locupletam com esse estado de coisas, torna complicada a mudança que se torna necessária. Qualquer brasileiro se você consultar vai se mostrar indignado com o Petrolão, mas pergunte a ele se ele concorda com a privatização de Petrobras ...

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  3. Certíssimo. Ao definir o programa de privatização em seu governo FHC já incluiu na lei um artigo que garantia a Petrobrás como estatal. Minha manifestação é, lamentavelmente, apenas teórica. Por culpa principalmente do PSDB, que nunca soube ser oposição e muito menos defender abertamente o programa de privatização, os petralhas lançaram-se fundo a demonizar esse programa com "privataria" e outras sandices mais. Agora há pouco, antes das eleições, Lula e a CUT organizaram um "ato em defesa da Petrobrás" que estaria em vias de ser privatizada pelo PSDB caso ganhasse as eleições. Com isso se desvia parte da atenção da opinião pública do FATO, o roubo, para a COMOÇÃO, a suposta "entrega" da Petrobrás para os malditos empresários.

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  4. Pegue o exemplo da Vale. Ela estava quebrada ao ser privatizada e hoje é uma das maiores fontes de recolhimento de impostos. Só que ainda hoje há movimento no sentido de re-estatizá-la. O mesmo com a telefonia. Havia 4 milhões de celulares na data da privatização e hoje temos mais celulares que gente no Brasil. Trata-se sem dúvida do maior programa de inclusão social já feito por aqui. Mas só se ouvem críticas. É claro que as reclamações contra um serviço que disponibiliza mais de 200 milhões de celulares tem que ser de longe o que tem mais reclamações, mas a forma obtusa como o Procon avalia isso o torna um alvo certo para os Petelhos.

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  5. Amigos permitam soprar o fogo e levantar a chama um pouco.
    O poder é exercido em diferentes dimensões, níveis e subníveis. A briga pelo poder ou por sua manutenção criam estas aberrações no nível de país enquanto PT ou algumas de suas alas mais criminosas, lutas internas ocorrem. No nosso nível de cidadãos de classe média a indignação é geral e se buscam os instrumentos para a contraposição a qualquer preço. Aqui começam dúvidas sobre os melhores caminhos. Eu vejo de forma pragmática a história moderna do país evoluindo um tanto desordenada mas de forma cristalina com resultados que seguem a linha mestra de um nacionalismo, democrático ou não, desde o pós guerra gerando uma nação que trata de barganhar por uma melhor posição social, econômica e politica. Ingerências externas tanto de um lado como de outro dos polos de poder internacional sempre presentes até hoje, contra este projeto Brasil.
    Vejo grandes empresas como a Vale, a Petrobras, a Eletrobrás, a Embraer, a Nuclebras, e outras como grandes conquistas de nossa ideologia nacionalista. Elas fazem parte de uma realidade invisível que constitui algo como a alma de nosso pais. Da mesma forma que qualquer dos grandes sambas que tu conheces tão bem. Assim tão simples e ao mesmo tempo não o sendo. Portanto há que ter muito cuidado para não meter a pata nesta delicada tessitura da qual somos feitos. Confio que não dá para fugir desta linha e da unidade que representa e que estes problemas serão solucionados dentro de um pacto, necessariamente político com ganhos estratégicos importantes. Aqui uma tentativa de reduzir as chamas

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  6. Caro Amaro
    Dos exemplos citados, eu considero bons apenas a Embraer e a Vale, que foram privatizadas estando quebradas e hoje são motivo de orgulho muito maior que a Petrobras, que só nos traz vergonha.
    A Petrobras chegou a valer R$ 737 bilhões em 2008 e hoje está avaliada em 127 bilhões. São R$ 610 bilhões que nos foram roubados, de nós, de mim e de você. Para dar uma ideia do que isso representa, o IBGE acusa uma população de 202,7 milhões de pessoas em 08/2014. Isso significa que cada brasileiro foi lesado em R$ 3.009, Sem considerarmos a inflação que existiu nesses 6 anos. Se isso for levado em conta este valor sobe para aproximadamente R$ 4.300.

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