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Lição Número Quatro: A Inflação

A quarta lição de Mises é sobre a Inflação. Para quem acha que estamos livres dessa praga, cuidado. A nossa presidente, juntamente com seus valetes Mantega e Tombini, estão envidando todos os esforços para nos trazer de volta os bons tempos de inflação alta.
O gráfico acima apresenta a variação do IPCA ao longo dos últimos 12 meses. Em janeiro incluímos o IPCA-15, prévia do mês, já que o índice para este mês ainda não saiu. Os outros 11 meses são o IPCA de fato. Chegamos assim a uma inflação média de 0,5% ao mês, ou 6,2% ao ano. Isso seria aceitável se a rampa iniciada em junho não prenunciasse uma manutenção dessa alta.

No século XVI, com a descoberta da América, enormes quantidades de prata e ouro foram transportadas para a Europa, com os governos cunhando moedas para saldar seus compromissos. A quantidade de dinheiro que inundou o mercado acarretou um aumento geral dos preços. Da mesma forma, quando um governo aumenta a quantidade de papel moeda, temos como consequência uma correspondente elevação de preços. A tendência desses governos é creditar ao aumento dos preços a causa da inflação, nunca ao aumento da quantidade de dinheiro.

O Brasil passa hoje por uma variante desse processo. Anos atrás uma fatia enorme da sociedade não tinha acesso ao dinheiro, e com o crescimento da classe média a procura por bens aumentou de forma impressionante. Aconteceu algo como duplicar o acesso da sociedade aos supermercados e lojas. Caberia ao governo esforços no sentido de equilibrar o mercado, tornando menos fácil o acesso ao crédito, mas ele optou por fazer exatamente o contrário, e o resultado está estampado do gráfico acima. Como o mercado costuma ter uma inércia muito grande em situações normais, esse processo vai perdurar por muito tempo, e não se vê na estratégia do vassalo Tombini qualquer vontade de mudar essa tendência. O mercado já entendeu a mensagem.

Não existe mistério na solução de problemas financeiros do governo. Se ele pretende fazer algum benefício, por exemplo construir um hospital, ele vai ter que conseguir o dinheiro através da arrecadação de impostos. Ao arrecadar os impostos ele vai diretamente ao bolso dos cidadãos, que serão obrigados a reduzir os seus gastos. Com esse dinheiro arrecadado o governo substitui o cidadão e se apresenta ao mercado como comprador; o cidadão passa a comprar menos devido ao imposto arrecadado e o governo passa a comprar mais. Para que haja equilíbrio no mercado, é necessário que o governo compre exatamente o volume de dinheiro que o cidadão deixou de comprar. As mercadorias não serão as mesmas, mas isso na média não é importante.

Digamos que o governo, em vez de construir o tal hospital, decida aumentar o número de funcionários, ou elevar o salário dos funcionários já existentes. Esses funcionários passam a ter um poder de compra maior. Os contribuintes passam a ter menos para gastar, mas os funcionários públicos passam a ter mais. Se no entanto o governo decidir, em vez de recolher impostos para aumentar o número de funcionários, imprimir dinheiro, vemos que algumas pessoas começam a ter mais dinheiro enquanto todas as demais continuam a ter o mesmo que antes. As que receberam o dinheiro recém impresso vão competir com aquelas que já tinham o dinheiro, e haverá uma demanda adicional para uma quantidade de bens que não se alterou. Logo, os preços vão subir.

Vamos considerar o funcionário que recebeu uma parcela do novo dinheiro. Ele vai ao mercado fazer suas compras, e a compra que ele vai fazer não estava prevista pelo mercado, já que anteriormente ele não tinha renda. Essas mercadorias sofrerão um excesso de demanda, mas o funcionário citado não será afetado por isso, a não ser que ele volte ao mercado para comprar as mesmas mercadorias. Podemos dizer que ele, ao receber o novo dinheiro, ganhou também uma vantagem temporal.

Existem no entanto grupos da população para quem o dinheiro novo chega bem mais tarde, ou nunca chega. Antes de terem acesso ao dinheiro adicional elas vão ter que pagar mais caro pelas mercadorias que desejam adquirir, enquanto sua renda permanece a mesma. Normalmente esses grupos são aqueles para os quais a sociedade tem dificuldade em quantificar a real importância do seu trabalho. Um exemplo clássico é o grupo dos professores. Quanto custa para o mercado um dia de trabalho de uma indústria de automóveis? Esse valor é conhecido tanto pelo acionista da empresa como pelo governo, que participa dos lucros da empresa através da arrecadação de impostos. Uma paralisação  em geral é rapidamente negociada para que todos saiam ganhando, e o novo dinheiro vai para os funcionários da empresa mediante aumento dos salários. Já com o professor a coisa muda: ninguém sabe avaliar quanto custa a paralisação de uma escola, e a tendência será alongar a greve e enfraquecer o poder de barganha dos professores, e eles terão menos acesso ao novo dinheiro. A sua importância na sociedade diminui, e não adianta tentar culpar o mercado por isso: o culpado é quem imprimiu dinheiro e criou condições para que essas coisas acontecessem. O professor brasileiro é a prova disso.

Vemos então que as pessoas mais próximas do dinheiro novo podem até ser beneficiadas pela inflação; quem vai sofrer são as mais distantes. Vejamos o meu exemplo pessoal:

Durante décadas eu contribui para me aposentar com 20 salários mínimos. A partir de uma data que eu não vou me dar ao trabalho de investigar quando, passei a contribuir para me aposentar com 10. Hoje o que eu recebo do INSS é menos de 4 salários mínimos. Ninguém me deu satisfação sobre o que aconteceu com as minhas contribuições iniciais, e eu torço para que não sobreviva o suficiente para ver a minha pensão menor que um salário mínimo. Posso com isso dizer que o grupo dos aposentados está bem distante do dinheiro novo. Recentemente entrei com uma ação contra o INSS para corrigir um pouco essas distorções; fiquei sabendo que o INSS só paga essas correções através desse expediente, e que esses recursos têm retroatividade de apenas 5 anos. Como eu sou aposentado há 15 anos, não há como reaver tudo o que me é devido.

Mas deixemos o meu problema pessoal de lado. Vamos falar daqueles que promovem o processo inflacionário. O governo é o principal beneficiário, já que a inflação, como método de arrecadar fundos, é muito mais eficaz que a tributação. Um político nunca vai cometer o suicídio de dizer: "vou adotar a inflação para resolver isso". Tem que haver complexidade no processo para que o cidadão comum não perceba a jogada. O mais simples é tomar dinheiro emprestado ao Banco Central, o qual se não o tiver disponível, tem a máquina impressora. As armas à disposição do governo são tantas e seu poder é tão grande que seriam necessárias centenas de páginas como essa para chegarmos a uma visão mais clara, mas vamos ficar com um exemplo que nos atinge em cheio: o teto de isenção do Imposto de Renda. Se o governo não aumentar esse valor de acordo com a inflação o Brasil inteiro vai pagar DE FATO mais imposto, mas a tarifa não se alterou.

O século XX nos proporcionou um grupo de economistas liderados por John Maynard Keynes, que criaram a escola keynesiana. Seu raciocínio se fundamenta no princípio de que o ciclo econômico não é auto-regulado como pensam os neoclássicos, uma vez que é determinado pelo "espírito animal" (animal spirit no original em inglês) dos empresários. É por esse motivo, e pela incapacidade do sistema capitalista conseguir empregar todos os que querem trabalhar, que Keynes defende a intervenção do Estado na economia. Seu ataque inflacionário começou contra o padrão ouro, que obrigava os bancos centrais a remunerar em ouro, num valor pre-fixado, o papel moeda; Keynes o chamava de ""relíquia bárbara", e hoje em dia se considera ridículo sequer aventar a possibilidade do retorno do padrão ouro. No entanto, ele era uma ferramenta poderosa de combate à inflação, pelo menos nos governos responsáveis, já que uma corrida aos bancos centrais tinha que ser levada em conta pelos governantes. Livres do padrão ouro os principais governos do mundo receberam autorização para chegar à situação em que se encontra hoje a economia mundial.

Outro grande aliado da inflação são os sindicatos trabalhistas. A política sindical, resumidamente, "consiste em elevar os padrões salariais acima do nível que eles alcançariam num mercado desobstruído (Mises)". Com isso uma parte considerável da população ativa só poderá ser empregada por entidades que tenham condições de suportar prejuízos. Como os negócios não têm como se manter dessa forma, elas fecham as portas e seus trabalhadores perdem o emprego. Padrões salariais superiores aos que vigorariam em um mercado desimpedido redundam inevitavelmente no desemprego de uma parcela da população.

Isso se iniciou na Inglaterra, em que os sindicatos, amparados pelas teorias keynesianas, impuseram esse estado de coisas. A reação de Keynes ao desemprego em massa que se seguiu foi simples: sugerir uma inflação do meio circulante para assim diminuir o poder de compra resultante de uma política salarial inflada pelos sindicatos. Segundo ele, "se os trabalhadores não forem suficientemente espertos para perceber a desvalorização da moeda, eles não oferecerão resistência a uma queda dos níveis salariais reais, visto que os níveis nominais permanecerão os mesmos". Com isso, ele concluiu que "o pleno emprego só pode ser alcançado se houver inflação; ludibriem os trabalhadores". Isso não foi invenção minha; são palavras de Keynes, o grande guru dos desenvolvimentistas de hoje.

A utopia do pleno emprego está intimamente ligada à do mercado livre. Nesse mercado os padrões salariais para cada tipo de trabalho tendem a um nível tal que é possível dar emprego a todos os que o desejam. Assim sendo, todo empregador vai ter condições de contratar tantos trabalhadores quanto forem necessários. Um aumento da demanda de mão de obra aumentará o padrão salarial, e se forem necessários menos trabalhadores esse padrão tenderá a cair. Somente esse método permite uma aproximação de uma situação de pleno emprego, e isso se aplica a todo tipo de trabalho. O mesmo se dá com as mercadorias.

Se um produto está à venda por cinco reais e ele não tem saída, o negociante irá oferece-lo por quatro reais; se mesmo assim não houver saída ele vai ser oferecido por três. O que não faz sentido é manter o estoque, e consequentemente o capital empregado em um produto que não gira o caixa. O mesmo se dá com o emprego. Digamos que um jovem chega à cidade na expectativa de ganhar mil reais por mês; só que ele não consegue emprego. Ele tenderia a se oferecer ao empregador por oitocentos reais mensais, mas o sindicato não aceita salário inicial abaixo de mil. Está criada a porta para o desemprego.

O pleno emprego é um argumento forte dos desenvolvimentistas para justificar a inflação. O Brasil se encontra hoje sob o comando de uma tropa desenvolvimentista. O nível de emprego é elevado, e ele será de agora em diante suportado por um aumento inexorável da inflação. Esse nível de emprego está sendo suportado pelas políticas de incentivo ao consumo mediante um aumento do crédito e dos salários, o que levou a uma corrida aos bens de consumo. A indústria brasileira, incompetente em função de uma cultura clientelista alimentada pelo próprio governo, não teve condição de acompanhar essa nova demanda com os níveis salariais impostos pelos sindicatos pelegos. A importação cresceu. Mesmo com o dólar mais valorizado a indústria não conseguiu ser competitiva. Está assim criado o caldo que nos levará de volta a tempos que não queríamos ver repetidos.

Espero sinceramente estar errado. 

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