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Lição Número Seis: Política e Idéias

Com a independência americana, seguida alguns anos depois pela independência das colônias espanholas e portuguesa, uma onda de otimismo permeou a civilização ocidental. Viemos a saber anos mais tarde que havia otimismo demais nas expectativas dos filósofos e estadistas. O sistema constitucional introduzido nos fins do século XVII acabou por frustrar a humanidade.

Poucos analistas procuraram encontrar um vínculo econômico nesse fracasso. O entendimento geral era de que um governo exercido por representantes do povo não poderia vir a ser dependente da situação econômica e das concepções econômicas que determinam as atividades sociais. A realidade é outra; os eventos políticos são a consequência inevitável das mudanças da política econômica.

Os fundamentos do novo sistema político partiam do pressuposto de que os cidadãos honestos têm como meta o bem estar de toda a nação, bem como das demais nações. Logo, uma nação livre não estaria interessada em conquistas. As pessoas que tinham idéias semelhantes fundavam os partidos, cuja estrutura não deveria ser permanente; nada impedia que uma posição original viesse a ser reavaliada. As discussões nas eleições e nas assembleias legislativas tinham um importância fundamental. Discursos políticos, editoriais em jornais, livros, eram escritos no intuito de persuadir. Partia-se no entanto do pressuposto de que o governo não iria interferir nas condições econômicas do mercado, e foi justamente ai que o intervencionismo encontrou forças para suplantar essa utopia. Criou-se na estrutura política uma força paralela que veio a tornar os partidos uma mera massa de manobra. Os partidos deixaram de representar a sociedade e passaram a ser controlados pelos grupos de pressão. 

Um grupo de pressão é composto de pessoas que querem obter um privilégio à custa do restante na nação. Pode ser um tarifa sobre importações competitivas, ou leis que impeçam a livre concorrência. Enfim, a finalidade é dar ao grupo algo que deve ser negado a outros grupos. Os partidos, todos eles, abrigam representantes de grupos de pressão, que estão mais interessados em cooperar com representantes do seu grupo em outros partidos que com os esforços dos próprios companheiros de partido. Temos no nosso congresso representantes da soja, da carne, das mineradoras, mas antes de tudo dos sindicatos. Só uma coisa não está representada do legislativo: a nação como um todo. As vozes que se põem a favor da nação são vozes isoladas, até consideradas fora do contexto, e todos os problemas, inclusive os de política externa, são analisados do ponto de vista dos interesses dos grupos de pressão.

Vejamos um exemplo simples: só uma pequena parcela da população européia se dedica à agricultura; o restante é constituído por consumidores de produtos agrícolas; no entanto a Comunidade Européia tem uma política que envolve o gasto de bilhões de euros com a finalidade de manter os preços dos produtos agrícolas acima do preço potencial do mercado. Isso vem a gerar um problema grave de política externa, uma vez que os eventuais exportadores de produtos agrícolas para a Europa têm que ser impedidos de fazê-lo, através da definição de cotas ínfimas ou tarifas. Já li em algum lugar que a erradicação dos subsídios agrícolas a nível global resultaria em uma melhora do padrão de vida de toda a população mundial que nenhum programa humanitário poderia suplantar.

Os oportunistas de plantão vão creditar ao regime democrático essa grave distorção, mas ela é de fato resultante do intervencionismo, que tira dos representantes do  povo o poder de resistir aos grupos de pressão. Um representante que defende subsídios à cana de açúcar nunca vai poder representar verdadeiramente o povo como um todo.

O Brasil está atualmente vivendo esse problema na carne. A política do governo é dar a grupos de pressão incentivos em função da facilidade com que eles circulam no Ministério da Fazenda, o que vem a resultar no aumento dos gastos públicos e numa dificuldade em estabelecer os impostos de forma justa. Numa situação assim, torna-se quase impossível ao governo deter a inflação, uma vez que restringir despesas não é do interesse desses grupos.

Em vários casos surge aqui a figura do ditador que, assim como não é a resposta para os problemas da liberdade, também não vai resolver os problemas econômicos. Conhecedor que é da situação de refém ostentada pelo poder legislativo, ele vai procurar nos grupos de pressão o apoio que eventualmente venha a necessitar. Sua primeira providência será a supressão da liberdade de expressão, com o que contará com o apoio desses grupos.

Há historiadores que acreditam que o utopia democrática, uma vez agredida pelo intervencionismo, acabará por levar a civilização a uma decadência acentuada a médio prazo. Toynbee é o arauto dessa corrente de pensamento. Os que entendem que o fator econômico acabará por prevalecer pensam de forma diferente. Se Cristina Kirchner se desse ao trabalho de estudar a história do império romano, ela iria saber que o que o levou à decadência, a partir do século III, foi o intervencionismo. Um problema corriqueiro interno, resultante de uma política de tentar controlar os preços, resultou num processo inflacionário que veio a fragilizar a economia do império, tornando-o vulnerável à rebelião das colônias. Deu-se então o fenômeno de retorno ao campo, em todo o império, e as cidades, entraram em decadência. Voltou-se assim ao sistema social medieval, com as vilas auto-suficientes, e a Europa mergulhou em um período negro de sua história.

A situação pela qual estamos passando lembra a da decadência romana. Há um império em decadência sendo alijado da sua posição predominante, talvez até sendo ameaçado por outro. Mas há uma grande diferença: as medidas que levaram o império romano à desintegração não foram premeditadas, não foram consequência de doutrinas bem formalizadas. Essa doutrinas são bem recentes e foram criadas por intelectuais modernos, são ensinadas nas universidades. Isso em vez de tornar a situação pior que a anterior, na realidade é uma vantagem, porque idéias podem vir a ser derrotadas por outras idéias. Ninguém duvidava, no império romano, que o controle de preços era uma boa idéia, mas hoje na Argentina a resistência à Madame Pinguim é grande e vai inexoravelmente selar a sua queda, coisa que levou séculos para acontecer em Roma.

Todas as idéias nefastas que hoje nos afligem e tornaram nossas políticas tão nocivas foram elaboradas no meio acadêmico. Não existiu a tal "revolta das massas". Ao contrário do que prega a doutrina marxista, a mente proletária não criou o socialismo. Marx não era proletário e foi por décadas sustentado por seu amigo Engels, um industrial do "pior tipo burguês", um "explorador". Cabe a nós, que conhecemos como se criaram essas idéias, substituí-las por outras melhores, refutar doutrinas que promovem a violência sindical, lutar contra o confisco da propriedade, o controle dos preços, a inflação e tantos outros males que nos assolam. As notáveis realizações do capitalismo nascido na Inglaterra também foram fruto das idéias de economistas clássicos importantes. Precisamos apenas retornar a elas ou aprimorá-las. Nossa civilização não está condenada, e ao contrário, vai sobreviver respaldada em idéias melhores que aquelas que hoje governam a maior parte do mundo.

Uma vez esgotadas as seis lições do grande Ludwig von Mises, estaremos a seguir abordando um assunto mais próximo do título deste blog, que é o fundamentalismo religioso, a meu ver um assunto que, embora não tenha ainda alcançado a importância do que discutimos nessas seis lições, vem crescendo de forma bastante grave, de todos os lados que o analisarmos.

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