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O Capital no Século XXI - Um livro que não vou ler

Os periódicos do mundo inteiro estão se debruçando em cima de um fenômeno que invadiu as livrarias americanas: a tradução para o inglês de um livro do francês Thomas Piketty. Ele vendeu em um mês mais do que qualquer livro de economia da Harvard University vendeu ao longo dos seus 101 anos. Ele também liderou os pedidos da Amazon por várias semanas, e acabou por se tornar um assunto viral em todos os blogs que tratam de economia.

O que me leva no entanto a não me sentir motivado a comprar a versão inglesa, ou mesmo esperar pela versão portuguesa, é o fato de que o muito que já li a respeito dele ser frontalmente contrário a tudo o que acredito nesse assunto.

Poderia resumir a minha convicção com um argumento bem simples: as soluções propostas pelo autor estão em plena sintonia com o ideário das alas mais retrógradas da atual administração do PT, e como é sabido que em matéria de economia o PT não sabe nada, ponto final. Mas vamos nos aprofundar um pouco mais, já que a Veja, o Estadão, a Folha de São Paulo, a revista Piauí, para citar os que li, dedicaram tantas páginas a respeito do livro.

A Folha de São Paulo de 26/04 publicou um artigo chatíssimo do Prêmio Nobel Paul Krugman: "'O Capital...' revoluciona ideias sobre a desigualdade". Sempre achei as ideias de Krugman um atestado de que o seu prêmio não foi merecido. Prova disso é que ele sistematicamente combateu a linha econômica preconizada pela Alemanha de Angela Merkel, talvez a única líder com credibilidade nesse assunto em todo o mundo (prova disso é que os alemães a reelegeram). Ele também sempre combateu a política do seu presidente Obama, e os Estados Unidos estão saindo com força da situação que o presidente democrata herdou dos tempos de desmando republicano.

A situação em que os políticos lançaram a economia, em praticamente todos os países significativos do mundo, criou um campo fértil para que ideias há tempos tidas como enterradas voltassem à tona. A imagem que me vem à cabeça é um filme do Johnny Depp a que eu assisti dias atrás: Dark Shadows (Sombras da Noite), em que um caixão é desenterrado em uma obra de infraestrutura e dela sai um vampiro que volta a assombrar uma vila da costa leste americana. Esse fenômeno, trazido para o campo da economia, está acontecendo há tempos naqueles países onde os desmandos nunca deixaram de ocorrer, como quase todos os da nossa América Católica. Exemplos claros são Cuba, Venezuela, Argentina e, por que não dizer, o nosso Brasil. A novidade é a sociedade americana, que passou por maus momentos decorrentes da calamitosa política de George W. Bush, pasmem, se engraçar por um livro de um comunista francês que não fez sucesso sequer no seu pais.

Tenho convicção de que essa onda é de curta duração, e para isso vai ajudar muito a vigorosa recuperação proporcionada pela política correta de Obama, junto com a gradual independência energética conseguida com o xisto. Minha convicção se baseia no fato que que o que o livro propõe não tem nada a ver dos os ideais americanos: uma enorme taxação progressiva, chegando até 80%, junto com um enorme imposto sobre a herança. A justificativa para essas medidas é que o capitalismo está se voltando para os tempos em que começou, dominado por dinastias familiares dos muito ricos.

A ideia de avançar sobre o patrimônio alheio não é nova. Ela foi gerada no Manifesto Comunista de Marx e Engels, e seu objetivo era conseguir de forma rápida o controle sobre as finanças dos países desenvolvidos da época. Rodrigo Constantino, na Veja de 07/05, cita o meu guru Roberto Campos a respeito desse assunto: "Tributar pesadamente, tirando do mais capaz e do mais motivado para dar ao menos capaz ou menos disposto, em geral redunda em punir aqueles sem corrigir estes". Vou mais longe: nenhum país governado por uma burocracia dessas fornece as garantias de que o que é tirado do rico vai para o pobre.

Ninguém em sã consciência vai trabalhar a vida inteira, gerando riqueza, para deixar o patrimônio amealhado para os burocratas do governo. As ideias de Piketty foram há pouco aplicadas pelo governo socialista da sua França e os resultados foram os piores possíveis: a debandada do capital foi generalizada na direção daqueles portos que o tratam com dignidade (o capital não aceita desaforo).

Tempos atrás li que o argentino aplica fora do país algo em torno de 160% do seu PIB anual. Já o Banco Africano de Desenvolvimento diz que, nos últimos 30 anos, os países africanos perderam 1,4 trilhões de dólares devido à evasão de capital. São demonstrações claras de falta de confiança na competência dos governantes em dar um destino pelo menos honesto aos impostos que recolhe. Os fascistas podem chamar isso de falta de patriotismo, mas o que ocorre é que quem acaba por pagar essa conta é a classe média, por não dispor de meios de melhor proteger o seu patrimônio, e de fato é aí que os governos se locupletam. O que Marx pregava em termos de impostos era um total avanço do estado na economia, com a transferência da riqueza para o governo, com o consequente cerceamento das liberdades individuais. Foi isso que ocorreu em todos os países que tentaram seguir essa linha.

A melhor crônica que li a respeito desse livro foi "Piketty e nós", de Marcelo Medeiros, na revista Piauí de maio de 2014. Isso porque ela, além de comentar com brilhantismo o livro, traz as ideias defendidas por ele para a nossa realidade, tentando explicar a dinâmica da nossa desigualdade social. Embora o foco do livro seja as economias da América do Norte e da Europa Ocidental, o autor da crítica levanta a pergunta: "Isso se aplica à nossa América Latina?". Isso porque por aqui o que se observa é uma rápida diminuição da desigualdade, principalmente no Brasil, onde ela está sendo turbinada pelo processo eleitoral. Agora o que se vê por aqui é a constatação do óbvio: o país não se preparou para arcar com o crescimento brutal da classe média, que passou a reivindicar um melhor retorno dos impostos que ela tem que pagar. Resumindo, a política pseudo-social desenvolvida até agora deu a destinação que todos os governos socializantes dão ao dinheiro arrecadado: o bolso dos burocratas.

Calcula-se que 8% de toda a riqueza global é resultante de transferências de países pobres para países ricos, e que um terço dos rendimentos de capital nos Estados Unidos vêm de investimentos feitos fora do país. Isso pode significar que boa parte da desigualdade americana é importada dos países pobres, e isso torna complicada uma avaliação das idéias de Piketty a nível global. O Brasil possui uma característica adicional que prejudica análises nesse campo: a concentração de renda nos dados tributários é tratada como segredo, ao contrário por exemplo da Argentina, onde os dados são públicos, muito embora anônimos.

Mesmo assim o Censo de 2010 trouxe informações valiosas, mostrando que quem tem salários acima de R$ 10.000 já pertence ao 1% mais rico da pirâmide, e que esse 1% mais rico da força de trabalho detém 17% de toda a renda do trabalho no país. Ou seja, como esperado, somos um país desigual, mas eu duvido que algum brasileiro em sã consciência acredite que um aumento de impostos venha a ter qualquer influência da diminuição dessa desigualdade. Isso porque a filtragem efetuada pela nossa burocracia transforma a nossa arrecadação em pó, e não existem garantias de que um aumento de impostos de qualquer natureza venha a mudar este estado de coisas.

Mesmo nos Estados Unidos a sociedade prefere agir por conta própria a dar o seu patrimônio para o governo em forma de impostos. Como a taxação sobre a herança lá é elevada, os ricos preferem fazer doações a fundações a deixar parte da herança para a burocracia gastar. Tanto que, como já foi comentado em blog anterior, a Fundação Bill e Melinda Gates hoje tem mais importância em regiões como a África que os organismos internacionais oficiais.

Parte do sucesso de Piketty nos Estados Unidos vem do fato dele concentrar suas propostas da esfera dos tributos, ou seja, da distribuição, e não na esfera da produção, com a regulação direta por parte do governo. Ele não leva em conta assuntos polêmicos como a imigração internacional, o controle de setores estratégicos da economia (caso Petrobrás), as políticas industriais (caso da nossa política energética), etc. Seu foco é exclusivamente a política tributária, e isso faz os seus críticos entenderem ser muito pouco, dadas as enormes diferenças existentes nas sociedades globais. Ao contrário de Marx, Piketty ficou devendo em termos de soluções. Ainda bem porque as do seu guru não funcionaram.

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