Pular para o conteúdo principal

O Mistério da Existência

Estava dia 12 de maio em um dos piores aeroportos do Brasil, o de Goiânia, sobre o qual já falei em Post anterior. Tudo lá é acanhado e feio, o que inclui o puxadinho de embarque, de onde podemos ver, do outro lado da pista, o esqueleto do novo terminal, embargado pelo Ministério Público por superfaturamento.

Mas para minha surpresa dei de cara na minúscula revistaria com um livro que de imediato chamou minha atenção: "Por que o Mundo Existe?", de Tim Holt, Intrínseca. Dei uma folheada no livro e vi que ele tratava de um assunto que vem despertando a minha curiosidade desde quando criança. Havia apenas um exemplar e resolvi comprá-lo. A minha fila de livros a serem lidos está crescendo, mas eu não tinha nada pra ler e a revista da Azul já tinha sido devorada na viagem de ida.

Imediatamente me identifiquei com o autor, já que o mistério da existência tem me perseguido desde a infância. Já se disse que a pergunta "por que existe algo e não apenas o nada?" é profunda e que ocorre da mesma forma a um erudito e a uma criança. Só que no meu caso, como aconteceu com o autor, na minha fase criança ela foi sufocada pelas freiras e padres redentoristas do Colégio Nossa Senhora Aparecida, em Manaus, no ano de 1953, e a lavagem cerebral continuou no Ateneu Dom Bosco em Goiânia e no Colégio São Francisco em Anápolis, de onde me libertei em 1959.

Saí para o mundo laico imbuído do fato de que Deus criou o mundo a partir do nada e por isso o mundo existe; por isso eu existo. No entanto nunca entendi direito o motivo pelo qual Deus existia, muito embora me tenham dito que Deus é eterno, todo poderoso e dotado da perfeição em um grau que não podemos avaliar, logo Ele dispensa uma explicação para a sua existência.

Com o tempo passando eu fui me convencendo de que essa explicação pode ser convincente no atacado, mas não conseguia ver a sua aplicação no varejo. Vou tentar explicar.

Se perguntarmos a um crente por que Deus existe, a resposta vai claramente depender do seu grau de sofisticação. Fiz essa pergunta a um evangélico e a resposta foi curta e grossa: "Não venha me confundir com sua pretensa erudição; Deus existe porque eu acredito Nele e se você não acredita você vai queimar no fogo do inferno" (ainda bem que o atual Papa pensa diferente). Já um crente mais sofisticado vai dizer que Deus é a causa em si mesmo e que é o fundamento do próprio ser, e que sua existência está contida na sua própria essência. Existe convicção em ambas as respostas, e essa convicção foi forjada desde a infância, infância esta que eu também tive e que, talvez infelizmente, não me deixou com essa convicção. Ultimamente tem havido uma exploração muito grande no meio adulto, em geral oriunda do fato que a nossa sociedade não soube criar, por incompetência, uma alternativa viável à evangelização de baixo nível, mas isso é outra historia que podemos discutir mais tarde.

Já o não crente, por não ter a muleta da fé, em geral não consegue tornar satisfatórias para o crente respostas a perguntas desse tipo. Ateus como Dawkins e Hitchens são constantemente afrontados por teólogos com as perguntas formuladas em uma platéia hostil: "Se você não reconhece a existência de um Deus, como pode explicar a existência do mundo?". "O que foi que veio antes do Big Bang?".

Aí é que entra a minha concepção de atacado e varejo. No atacado eu poderia aceitar um Deus que desse explicação àquilo que eu ainda não consigo entender de forma científica. O que eu não consigo aceitar é que um Deus com essa grandiosidade tenha que se imiscuir nos pensamentos e na vida sexual de cada ser humano, e o que é pior, com nuances que levam as diferentes facções a se odiarem a ponto de se matarem em nome daquilo que elas chamam de Deus. A isso eu chamo de varejo; um Deus com essa característica acaba por se apequenar e se torna ferramenta perigosa nas mãos de inescrupulosos que agem em Seu nome.

Ao longo do tempo o Deus Criador vem perdendo terreno. Newton entendia como necessária a existência de um ser superior que realizasse os ajustes que viessem a impedir que os planetas colidissem. A estabilidade do sistema solar foi comprovada por Laplace sem a necessidade da existência de um Deus. Quando Napoleão perguntou a Laplace que papel teria Deus na sua concepção de universo a resposta famosa foi: "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse (eu não precisei dessa hipótese)". Já a teoria da evolução causou uma devastação razoável nas convicções criacionistas, por ter dispensado a existência de um Deus para guiar o processo evolucionário.

O terreno mais seguro para os religiosos nas disputas com os ateus é a pergunta fatal: "Por que existe algo e não apenas o nada?". Para os religiosos com mais erudição nenhuma teoria científica seria capaz de transpor esse abismo entre o nada absoluto e o universo pleno. O porquê supremo estaria assim fora da esfera da ciência. Na minha modesta opinião o ateu poderia responder: "Tudo bem, esse Deus eu aceito por enquanto. Sem problemas. Agora me prove que ele me levará pro inferno se eu me comportar mal por aqui". 

Acontece que a ciência está aos poucos se aproximando da resposta ao que se costuma chamar de Causa Primordial. Por enquanto, se perguntado de onde veio o nosso universo, o ateu tem duas respostas. Ele poderia dizer que se for postulada a tal força criativa, é bom dizer de onde ela veio, quem a criou, e quem criou o seu criador, e assim por diante. A segunda resposta seria que ainda que haja uma força criativa, não há motivo para se imaginar que ela seja divina. Por que ela teria que ser sábia e boa? Por que ela teria que ter sequer uma mente?

Nos últimos anos surgiu uma teoria revolucionária que em resumo, se for provada, conclui que não é preciso muito para se criar um universo. Não são necessários recursos em escala cósmica, tampouco poderes sobrenaturais. É possível até que uma civilização não muito mais avançada que a nossa fabrique em laboratório um novo universo. Isso necessariamente nos leva à hipótese de que o nosso universo pode muito bem ter sido criado dessa forma. Jim Holt chama o autor dessa façanha de 'hacker", um hacker intergalático. Estou falando de algo que conheço muito pouco e não tenho mais disposição de estudar a fundo: a teoria da "inflação caótica", proposta por Alan Guth em 1980 e encampada por Paul Steinhardt, Andrei Linde e Stephen Hawking (sempre ele). Em resumo, ela postula que o universo, no seu momento inicial, passou por uma fase de crescimento exponencial. Segundo Linde, a única coisa necessária para que se crie um universo como o nosso é a existência de um centésimo de milésimo de grama de matéria, a qual de forma exponencial se transforma nos bilhões de galáxias que temos. Toda a matéria do universo seria então criada a partir da energia negativa do campo gravitacional.


É claro que o entendimento dessa teoria está muito além daquilo que eu sou capaz de transmitir, mas os efeitos de uma eventual comprovação dela estão tirando do Deus Criador talvez a última cidadela da sua defesa. Isso para mim parece claro. De Newton até Linde a humanidade progrediu muito na explicação da sua existência, e me parece que já passou o tempo de se sacrificarem pessoas cujo único "pecado" foi mudar a denominação do seu Deus.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Europa Islâmica

É irreversível. A Europa, o berço da Civilização Ocidental, como a conhecemos, está com seus dias contados. Os netos dos nossos netos irão viver em um mundo, se ele ainda existir, no qual toda a Europa será dominada pelo Islamismo. Toda essa mudança se dará em função da diminuição da população nativa. Haverá revoltas localizadas, mas o agente maior dessa mudança responde por um nome que os sociólogos têm usado para alertar para esse desfecho: a Demografia. Vamos iniciar este Post com um exercício simples. Suponhamos uma comunidade de 10.000 pessoas, 5.000 homens e 5.000 mulheres, vivendo de forma isolada. Desse total metade (2.500 homens e 2.500 mulheres) já cumpriu sua função procriadora, e a outra metade a está cumprindo ou vai cumprir. Aqui vamos definir dois grupos, o velho não procriador e o novo procriador. Se os 2.500 casais procriadores atingirem uma meta de cada um ter e criar 2 filhos, teremos como resultado que, quando esta geração envelhecer (se tornar não procriadora), a c

Sobre os Políticos

Há tempos estou à procura de uma fonte que me desse conteúdo a respeito desse personagem tão importante para as nossas vidas, mas que tudo indica estar cada vez mais distanciado de nós. Finalmente encontrei um local que me forneceu as opiniões que abasteceram a minha limitada profundidade no assunto: Uma entrevista no site Persuation, de Yascha Mounk, com o escritor, diplomata e político Rory Stewart.  Ex-secretário de Estado para o Desenvolvimento Internacional no Reino Unido, Rory Stewart é hoje presidente de uma instituição de caridade global de alívio à pobreza, a GiveDirectly (DêDiretamente em tradução Livre) e autor do recente livro How not to be a Politician, a Memoir (algo como "Como não ser um Político, um livro de Memórias"). A entrevista é longa e eu me impressionei com ela a ponto de me atrever a fazer um resumo. Pelo que entendi, com o livro Stewart faz uma descrição de suas experiências na política do Reino Unido. Ele inicia a entrevista falando da brutalidade

Civilidade e Grosseria

  Vamos iniciar este Post tentando ensaiar teatrinhos em dois países diferentes: País A O sonho do jovem G era ser membro da Força Aérea de A, mas na sua cabeça havia um impedimento: ele era Gay. Mesmo assim ele tomou a decisão de apostar na realização do seu sonho. O País A  não pratica a conscrição, ou seja, ninguém é convocado para prestar serviço militar. Ele está disponível para homens entre 17 e 45 anos de idade. G tinha 22 e entendeu que o curso superior que estava fazendo seria de utilidade na carreira militar. Detalhe: há décadas o País A tinha tomado a decisão de colocar todos os ramos militares em um único quartel, com a finalidade de aumentar o grau de integração e a logística. Isso significa a Força Aérea de A está plenamente integrada nas Forças de Defesa de A. Tudo pronto, entrevista marcada, o jovem G comparece à unidade de alistamento e é recebido com a mesma delicadeza que aquele empresário teria ao se interessar por um jovem promissor de 22 anos. Tudo acertado, surgi