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Dilma segundo o The Economist

A comparação de Dilma com o bujão de gás vestido tornou-se viral, e muita gente se sentiu ofendida, chamando a comparação de machista, que aquela roupa estava adequada a uma senhora obesa. A essa reação vi muito comentário tipo "nada a ver": qualquer coisa que ela vestisse tinha que ser criticada, dado o estado em que ela deixou nosso País no seu primeiro mandato.

Da minha parte eu acredito que existem formas melhores de se fazer uma caricatura da Dilma, da mandatária Dilma, não da senhora Dilma; e nisso o The Economist é um craque:


O título da reportagem que traz a reboque esta verdadeira obra de arte é: "Os erros cometidos por Dilma Rousseff durante o primeiro mandato significam que o segundo será turbulento". A lista assustadora de coisas a fazer inclui:
  • Refazer os laços com os Estados Unidos, afetados pela revelação de que em 2013 espiões americanos grampearam suas chamadas telefônicas,
  • Controlar o desmatamento da Amazônia, que voltou a crescer após uma década de declínio,
  • Enfrentar a ameaça de racionamento de energia e de água no sudeste industrial,
  • Preparar a cidade do Rio de Janeiro para as Olimpíadas de 2016, com o risco de reprisar o acontecido com a copa do mundo de futebol em 2014, quando os cronogramas foram ignorados,
  • Administrar o imbróglio em que se meteu o seu partido, o PT, e seus aliados, no escândalo de corrupção que envolveu a Petrobrás.
Mas é na Economia que as ondas estão mais agitadas e as nuvens mais negras. O ciclo de valorização das commodities acabou, e isso significou a queda dos preços dos maiores itens de exportação do Brasil: soja, minério de ferro e mais recentemente petróleo. As políticas adotadas por Dilma durante o primeiro mandato se mostraram desastrosas: a combinação de falta de rigor macroeconômico com intervenção na microeconomia, visando o crescimento, minou de forma irreversível as finanças públicas e comprometeu sua credibilidade. O PIB cresceu meros 6,7% durante o primeiro mandato. Seu dócil presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e seu ministro da Fazenda, Guido Mântega, cortaram as taxas de juros e fizeram disparar o consumo, mesmo com a disparada da inflação e a queda na receita. Se ela quiser ter algum êxito no seu segundo mandato, terá que desfazer quase tudo o que foi feito no primeiro nesta área. 

O começo foi alvissareiro. Ela convocou Joaquim Levy, um banqueiro radical, para substituir Mântega, e Nelson Barbosa, um respeitado economista, para o ministério do Planejamento. Tombini permanecerá no Banco Central, mas com a orientação clara de trazer a inflação para o centro da meta de 4,5%. A taxa de juro, desde a vitória de Dilma, subiu de 11% para 11,75%. Os ministros da Agricultura e da Indústria e Comércio, com laços estreitos com agricultores e industriais, sinalizam uma trégua com o setor privado. O novo ministro das Relações Exteriores também parece mais inclinado a um melhor papel nas relações com os países que realmente importam.

Joaquim Levy em particular tem muito trabalho pela frente. Ele prometeu um superávit primário de 1,2% do PIB para 2015 e 2% para 2016, visando evitar que o País perca seu grau de investimento. Mas com Mântega os subsídios ineficazes à energia, ao transporte e ao crédito não deram em nada e tornaram essa meta difícil. E metade de todo o gasto público se move em sintonia com o salário mínimo, o qual deve subir cerca de 2,5% acima da inflação em 2015, respeitando um fórmula que o liga ao PIB anterior. Isso implica em que Joaquim Levy vai ter que conseguir um ganho no PIB de 2,1%, quando economistas acreditam que ele não vai passar de 0,8%. 

Isso deve ter levado Nelson Barbosa, em seu discurso de posse, a dizer que iria encaminhar um projeto de lei que alterasse o critério de atualização do salário mínimo. É opinião geral entre os economistas que esse critério tem que ser revisto, e Nelson Barbosa não fez mais do que pôr esse importante item na sua pauta. Foi o suficiente para a máscara cair. Dilma exigiu dele uma retratação sobre o dito, o que o tornou um mero executor das políticas a serem ditadas pela chefona. 

Uma atitude digna de sua parte teria sido se demitir imediatamente e deixar o circo pegar fogo. Ele, ao contrário de Joaquim Levy, tem hoje uma função bem independente de qualquer interferência do governo: é professor titular da FGV, em São Paulo, professor adjunto da UFRJ, e pesquisador do IBRE/FGV. Já Joaquim Levy deixou o cargo de diretor superintendente do Bradesco Asset Management, o que significa que a sua presença no governo tem um grande banco privado envolvido, e torna mais difícil uma decisão pessoal. Além disso existe uma diferença de calibre entre os dois; algo como um ser convidado e o outro ser convocado, ou quase que se convidar. 

Isso é o que penso. Acredito que Nelson Barbosa daria uma enorme contribuição ao futuro desse País se virasse a mesa. Nossos filhos e netos talvez nem viessem a se lembrar dessa atitude, mas certamente seriam os maiores beneficiários dela. Por outro lado Dilma, ao aumentar a estatura do seu ministério, vai ter que aprender que quem não é poste tem opinião.

Tomemos o caso de Kátia Abreu. Estamos falando de uma senadora com voz ativa no meio agrícola. Ela deitou falação e Dilma ficou calada. Preferiu escalar o Patrus Ananias para tocar fogo na relação Agronegócio x Movimentos Sociais. Ele acaba de dizer que o direito de propriedade não pode ser inquestionável, mas também destacou como prioridade a implantação da Anater, a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural. Mas no dia anterior Kátia também destacou o papel da Anater como fundamental para desenvolver o conhecimento no campo.

A quem vai caber comandar a Anater? Aí tem...

Comentários

  1. Me alegra voltar de "férias" e ler essa sua análise, alegria pelo lado intelectual e tristeza pelo conteúdo. Ontem, domingo, no programa "Painel" da Globo News, debateram Loyola, Gianetti e Francisco, 3 economistas do primeiro time.É preocupante vê-los unanimemente traçarem um quadro nada animador para o Brasil.

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