O que dizer de um presidente que recebeu o país em frangalhos, e conseguiu a proeza de levantar a sua economia, a ponto de fazê-la crescer de forma consistente, já no seu segundo mandato? Aparentemente nada: que ele é um fraco, que ele não possui liderança, que ele é "politicamente correto" demais.
A minha experiência como ser humano e como profissional me ensinou uma coisa muito importante: não são as ações ou as falas que são avaliadas, mas sim um julgamento prévio que já foi feito, talvez até de forma inconsciente, de quem agiu ou falou. Questões de raça e de gênero têm uma importância fundamental nesse pré-julgamento, e convenhamos e Obama, sendo um negro (ou para sermos hipocritamente corretos, um African American), não leva muita vantagem nesse quesito.
Os ataques vêm de todos os lados. Já houve até quem insinuou que ele não era americano, o que o levou ao constrangimento de ter que mostrar sua certidão de nascimento. O ataque da moda nesses dias se concentra em uma área delicada, a da religião.
Os Estados Unidos são talvez o país mais fundamentalista do planeta. Sorte nossa que se trata de uma sociedade com alto grau de educação, mas as estimativas são as de que 100 milhões de americanos frequentam um igreja cristã todos os domingos, e comparar a sua crença com a dos islamitas é algo inaceitável para esse imenso exército de fanáticos.
Foi exatamente isso o que eles entenderam que Obama fez, ao dizer que todas as religiões estavam sujeitas à exploração dos fomentadores do ódio, da agressão e da maldade. Dentro de um verdadeiro covil, um Café da Manhã Nacional da Oração, ele teve a coragem de afirmar que os americanos "não podem chamar para si a superioridade moral do mundo ou pensar que a violência é um fenômeno que tem sua origem em um lugar diferente do nosso (deles)". Ele lembrou as Cruzadas e a Inquisição, e a escravidão e as leis segregacionistas dentro de casa, justificadas inclusive em nome de Cristo.
As reações foram imediatas e desprovidas de qualquer bom senso: as Cruzadas não foram ruins, já que se trataram de guerras defensivas e se deveram ao fato de que os muçulmanos haviam tomado lugares sagrados para os cristãos. Além disso ela e a Inquisição ocorreram há muito tempo, e até a escravidão, enquanto as infâmias do Estado Islâmico são fatos atuais. O cristianismo foi na realidade o fator que incentivou o fim da escravidão e da segregação racial (??).
O que esses igualmente fanáticos não entendem é que um presidente de um Estado laico não tem nada a ver com esse debate de se saber qual das religiões é menos maligna. Sua argumentação é muito mais focada: nenhuma religião pode se considerar imune à exploração com fins nefastos, e que é perigoso acreditar nessa falácia. Mesmo que se pregue a caridade, não devemos cair na armadilha de achar que isso nos torna melhores que as outras pessoas, ou menos inclinados a cometer o mesmo tipo de maldade.
O The Economist cita dois exemplos claros desse perigo:
1 - Vietnã 1969: o americano William Calley massacrou civis no Vietnã, e igrejas do sul dos EUA alegaram que isso fazia parte de uma campanha de difamação, ou que se Calley fez isso ele deve ter tido um bom motivo. Houve quem o comparasse a Jesus Cristo, na lógica que os EUA são um país virtuoso e seus soldados não agem a não ser de forma virtuosa.
2 - Quando do massacre que os soldados sérvios cometeram na Croácia, na Bósnia e no Kosovo, o maior da Europa desde 1945, argumentou-se que os sérvios só poderiam ser um povo santo, já que eles eram a parte cristã dessa refrega.
Resumindo: se você se considera a parte virtuosa, pode ter a certeza de que você é quem vai cometer a maior atrocidade, daí Obama ter afirmado ser perigoso acreditar na superioridade moral. Essa argumentação é verdadeira, e combatê-la é uma demonstração clara de pré-julgamento.
Em 11/09/2001 eu me encontrava em San Diego e fiquei 10 dias por lá. Meu amigo Lineu me convidou para esperar que os aeroportos abrissem na sua casa, em vez de ficar no hotel. Conversando com ele fiquei sabendo que o seu restaurante preferido era um árabe que ficava perto da sua casa, e ele estava com medo dele fechar. Era dia 12, e eu então o convidei a almoçar lá. Naquele dia fomos os únicos fregueses para o almoço.
Ao mesmo tempo houve relatos de seguidores do Islã que se regozijaram com o acontecido, dentro e fora dos Estados Unidos. É fato sabido que os governos islamitas têm uma total falta de respeito pelas outras seitas. Em todo o Golfo Pérsico apenas o Qatar permite a construção de templos cristãos, mas isso não implica em que o islamita que migrou desse inferno trouxe consigo essa mentalidade. de forma absoluta. A coisa não é digital. Os costumes demoram gerações para se adaptarem.
Nessas minha idas aos EUA eu fiz amizade com o Iqbal, um iraniano que se orgulhava se ser um cidadão britânico. Ele veio pro Brasil e eu o recebi para tratarmos de um projeto importante. Era tempo do Ramadã eu estava com ele em Brasília, em um hotel. Ele tinha tomado o café da manhã antes do sol nascer e só iria comer de novo depois do sol se por. Ele estava faminto e me pediu pra ver no jornal a que horas podíamos ir pro restaurante. Ele amava o peixe do Bargaço. Então eu argumentei que, sendo ele um cidadão britânico ele não podia comer nada durante todo o Ramadã, já que "the sun never sets in the British Empire".
Claro que ele não entendeu a minha insinuação de que, sendo ele um cidadão britânico, estava na hora dele começar a se adaptar aos costumes ocidentais. Israel, por incrível que pareça, é o exemplo claro que que essa pluralidade é possível. Segundo Qanta Ahmed, uma defensora de um Islã moderado, somente lá podemos encontrar mulheres muçulmanas dirigindo hospitais, pra não falar em automóveis.
Em tempo: várias vezes encontrei o Iqbal saindo do carro dirigido pela esposa na porta da empresa onde trabalhávamos nos EUA. Embora ele tenha jantado várias vezes em minha casa aqui, conversado com minha esposa, ele nunca achou apropriado me apresentar à sua.
Como diz o meu neto australiano no seu português trôpego, o Obama está "em problema" (in trouble).
A minha experiência como ser humano e como profissional me ensinou uma coisa muito importante: não são as ações ou as falas que são avaliadas, mas sim um julgamento prévio que já foi feito, talvez até de forma inconsciente, de quem agiu ou falou. Questões de raça e de gênero têm uma importância fundamental nesse pré-julgamento, e convenhamos e Obama, sendo um negro (ou para sermos hipocritamente corretos, um African American), não leva muita vantagem nesse quesito.
Os ataques vêm de todos os lados. Já houve até quem insinuou que ele não era americano, o que o levou ao constrangimento de ter que mostrar sua certidão de nascimento. O ataque da moda nesses dias se concentra em uma área delicada, a da religião.
Os Estados Unidos são talvez o país mais fundamentalista do planeta. Sorte nossa que se trata de uma sociedade com alto grau de educação, mas as estimativas são as de que 100 milhões de americanos frequentam um igreja cristã todos os domingos, e comparar a sua crença com a dos islamitas é algo inaceitável para esse imenso exército de fanáticos.
Foi exatamente isso o que eles entenderam que Obama fez, ao dizer que todas as religiões estavam sujeitas à exploração dos fomentadores do ódio, da agressão e da maldade. Dentro de um verdadeiro covil, um Café da Manhã Nacional da Oração, ele teve a coragem de afirmar que os americanos "não podem chamar para si a superioridade moral do mundo ou pensar que a violência é um fenômeno que tem sua origem em um lugar diferente do nosso (deles)". Ele lembrou as Cruzadas e a Inquisição, e a escravidão e as leis segregacionistas dentro de casa, justificadas inclusive em nome de Cristo.
As reações foram imediatas e desprovidas de qualquer bom senso: as Cruzadas não foram ruins, já que se trataram de guerras defensivas e se deveram ao fato de que os muçulmanos haviam tomado lugares sagrados para os cristãos. Além disso ela e a Inquisição ocorreram há muito tempo, e até a escravidão, enquanto as infâmias do Estado Islâmico são fatos atuais. O cristianismo foi na realidade o fator que incentivou o fim da escravidão e da segregação racial (??).
O que esses igualmente fanáticos não entendem é que um presidente de um Estado laico não tem nada a ver com esse debate de se saber qual das religiões é menos maligna. Sua argumentação é muito mais focada: nenhuma religião pode se considerar imune à exploração com fins nefastos, e que é perigoso acreditar nessa falácia. Mesmo que se pregue a caridade, não devemos cair na armadilha de achar que isso nos torna melhores que as outras pessoas, ou menos inclinados a cometer o mesmo tipo de maldade.
O The Economist cita dois exemplos claros desse perigo:
1 - Vietnã 1969: o americano William Calley massacrou civis no Vietnã, e igrejas do sul dos EUA alegaram que isso fazia parte de uma campanha de difamação, ou que se Calley fez isso ele deve ter tido um bom motivo. Houve quem o comparasse a Jesus Cristo, na lógica que os EUA são um país virtuoso e seus soldados não agem a não ser de forma virtuosa.
2 - Quando do massacre que os soldados sérvios cometeram na Croácia, na Bósnia e no Kosovo, o maior da Europa desde 1945, argumentou-se que os sérvios só poderiam ser um povo santo, já que eles eram a parte cristã dessa refrega.
Resumindo: se você se considera a parte virtuosa, pode ter a certeza de que você é quem vai cometer a maior atrocidade, daí Obama ter afirmado ser perigoso acreditar na superioridade moral. Essa argumentação é verdadeira, e combatê-la é uma demonstração clara de pré-julgamento.
Em 11/09/2001 eu me encontrava em San Diego e fiquei 10 dias por lá. Meu amigo Lineu me convidou para esperar que os aeroportos abrissem na sua casa, em vez de ficar no hotel. Conversando com ele fiquei sabendo que o seu restaurante preferido era um árabe que ficava perto da sua casa, e ele estava com medo dele fechar. Era dia 12, e eu então o convidei a almoçar lá. Naquele dia fomos os únicos fregueses para o almoço.
Ao mesmo tempo houve relatos de seguidores do Islã que se regozijaram com o acontecido, dentro e fora dos Estados Unidos. É fato sabido que os governos islamitas têm uma total falta de respeito pelas outras seitas. Em todo o Golfo Pérsico apenas o Qatar permite a construção de templos cristãos, mas isso não implica em que o islamita que migrou desse inferno trouxe consigo essa mentalidade. de forma absoluta. A coisa não é digital. Os costumes demoram gerações para se adaptarem.
Nessas minha idas aos EUA eu fiz amizade com o Iqbal, um iraniano que se orgulhava se ser um cidadão britânico. Ele veio pro Brasil e eu o recebi para tratarmos de um projeto importante. Era tempo do Ramadã eu estava com ele em Brasília, em um hotel. Ele tinha tomado o café da manhã antes do sol nascer e só iria comer de novo depois do sol se por. Ele estava faminto e me pediu pra ver no jornal a que horas podíamos ir pro restaurante. Ele amava o peixe do Bargaço. Então eu argumentei que, sendo ele um cidadão britânico ele não podia comer nada durante todo o Ramadã, já que "the sun never sets in the British Empire".
Claro que ele não entendeu a minha insinuação de que, sendo ele um cidadão britânico, estava na hora dele começar a se adaptar aos costumes ocidentais. Israel, por incrível que pareça, é o exemplo claro que que essa pluralidade é possível. Segundo Qanta Ahmed, uma defensora de um Islã moderado, somente lá podemos encontrar mulheres muçulmanas dirigindo hospitais, pra não falar em automóveis.
Em tempo: várias vezes encontrei o Iqbal saindo do carro dirigido pela esposa na porta da empresa onde trabalhávamos nos EUA. Embora ele tenha jantado várias vezes em minha casa aqui, conversado com minha esposa, ele nunca achou apropriado me apresentar à sua.
Como diz o meu neto australiano no seu português trôpego, o Obama está "em problema" (in trouble).
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