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Expectativa de Vida x Renda per Capita

É fato sabido que a expectativa de vida cresce com a renda. Quem primeiro se preocupou com esse assunto foi o demógrafo americano Samuel Preston, que em 1975 apresentou uma curva empírica que traz essa correlação para diferentes países. Trabalhos mais recentes atualizaram essa pesquisa, e a curva abaixo diz respeito ao ano de 2005:


Trazendo esse conceito para a sociedade brasileira, a mim parece óbvio que, dadas as características perversas do nosso sistema de saúde, essa curva deve ter uma inclinação muito maior. Ou seja, uma pessoa com maiores recursos tem uma capacidade muito maior de alongar sua existência num ambiente que trata a saúde pública com o descaso que todos conhecemos. 

Quanto ao Sistema de Saúde Complementar, de acordo com o Conselho Federal de Medicina, em 2011 o Brasil tinha 347 mil médicos, sendo que aproximadamente 160 mil atuavam na Saúde Complementar, atendendo 46,6 milhões de usuários (24% da população na época). Isso dava uma média de 290 usuários por médico (o Ministério da Saúde recomenda 400 habitantes por médico). Mas tentem agendar uma consulta com um médico através do seu plano de saúde. O que vemos são as seguintes evidências:
  1. A pergunta inicial é se se trata de particular ou convênio. Se o prazo para o atendimento for muito grande, tentem converter a consulta pra particular. A relação entre as duas datas vai dar uma ideia de como o médico está tratando o seu plano se saúde.
  2. Digamos por exemplo que a atendente marca a consulta para dia X às 15:30. Tente perguntar se pode ser às 15:45. Caso a resposta seja positiva isso vai significar que o médico está atendendo 4 pessoas por hora para compensar os R$ 50 por paciente que ele vai receber do plano.
Dia desses eu estava com meus exames pedidos pelo meu cardiologista para serem entregues a ele, mas ele estava de férias. Resolvi então pedir um outro médico na mesma clínica. Fui chamado e entrei com os resultados. Ele não me conhecia, mas já estava com a bateria de requisições de exames pronta, ao que eu respondi que já tinha os exames em mãos. Em 15 minutos ele não quer saber de te examinar; ele vai te dar uma tarefa pra casa e com isso ganhar mais uma consulta. 

Quero dizer com isso que a nossa Saúde Complementar está caminhando a passos largos para a mesma situação da Saúde Pública. Mas isso é assunto pra outro Post. Aqui eu quero tratar de outra coisa. 

Estava fazendo uma tradução de um vídeo da Khan Academy que tratava do Imposto FICA (Federal Insurance Contributions Act), que é a contribuição à previdência social nos Estados Unidos. Aprendi muito, a começar pelo fato que aquilo que aqui corresponde a 10 salários mínimos, o teto da nossa previdência, que é o teto sobre o que somos descontados e que deveria corresponder ao teto sobre o que somos pagos (eu por exemplo só recebo 3 mil reais mensais) lá corresponde a US$ 168.800 anuais. Em valores de hoje isso corresponderia a cerca de 500 mil Reais. Bom, não?

Também fiquei sabendo que a situação dos estados por lá é quase tão ruim como a do nosso INSS, sendo que Illinois é o que está em pior situação. Mas o que mais me impressionou foi a constatação de que esse imposto, por ser regressivo, é de uma enorme injustiça. 

Uma pessoa que ganha US$ 168.500 por ano recolhe 7,65% de Imposto FICA, sendo que o empregador recolhe igual quantia. Ou seja, no contracheque do empregado aparece o desconto de US$ 12.890 ao longo do ano. Já uma pessoa que ganha o dobro, ou US$ 337.000, recolhe os mesmos US$ 12.890. Isso vem a corresponder a apenas 3,825% do seu salário. Daí ele ser chamado de regressivo: a partir de US$ 168.800, quanto mais você ganha, menos você paga percentualmente (o mesmo que ocorre por aqui, numa escala muito maior, porque o nosso teto é baixíssimo). 

Poderia ser usado o argumento de que a pensão para quem ganha mais de US$ 168.800 vai ser igual para todos, como é no Brasil para quem ganha mais de 10 salários mínimos (na realidade não é, no Brasil a correção da pensão do aposentado é uma vergonha). Aí é que entra o argumento de que quem ganha 320 mil dólares vai em média viver mais que quem ganha 160 mil dólares, se acreditarmos na curva de Preston. 

Trocando em miúdos, estatisticamente quem ganha mais vai se beneficiar por mais tempo da pensão, o que vem a tornar ainda mais regressivo esse imposto. Nunca havia prestado a devida atenção a esse fato, e posso garantir que muito pouca gente envolvida nesse assunto conhece esse dado importante, daí ter tido a iniciativa de apresentá-lo aos meus leitores. 





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