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Jesus e os Romanos

Essa história sempre me intrigou. Os Romanos sempre consideraram os Judeus uns encrenqueiros, a província mais difícil de se administrar, para onde ninguém queria ir. Tanto isso é verdade que décadas após o pretenso julgamento de Jesus, durante o reinado de Adriano, o exército romano expulsou os Judeus da Judeia. Mais que isso, ele deu um novo nome à província, que passou a se chamar Síria Palestina.

Pelos próximos 1.700 anos essa região manteve esse nome em partes dela, tanto que ainda hoje temos a Síria e a Palestina. Nesse período os Judeus praticamente não moraram mais na Terra Prometida, e se estabeleceram em grupos na Europa, no Oriente Médio, na África e até na Índia. Não podemos dizer que eles eram particularmente bem recebidos em qualquer lugar onde se estabelecessem, e em grande parte isso se deu em função da interpretação de foi dada no Novo Testamento àquilo que passou a se chamar o "Julgamento de Jesus perante Pôncio Pilatos".

A explicação para esse Julgamento, ou para a pretensa existência dele, acaba de me ser dada por um livro que estou acabando de ler: "Zelota, a Vida e a Época de Jesus de Nazaré" de Reza Aslan, Zahar.

Comecemos do começo: Pilatos era o governador de Jerusalém. Sua responsabilidade era manter a ordem em nome do Imperador. Para um Judeu ser recebido em julgamento por Pilatos seria necessário que ele estivesse prejudicando fortemente essa ordem. Caso contrário não haveria audiência nem perguntas. Em seus dez anos como governador ele tinha enviado milhares de pessoas à cruz. Se partirmos da hipótese de que Jesus não era uma ameaça assim tão grande ao Império Romano, é nosso dever considerar também a hipótese de que esse Julgamento foi uma simulação.

A chave para essa dúvida se encontra em Marcos 15:1-20: Pilatos, depois de ter questionado Jesus e de tê-lo julgado inocente, apresenta-o aos Judeus juntamente com um bandido chamado Barrabás, acusado de assassinar guardas Romanos em uma insurreição no templo. Ao ser perguntada por Pilatos quem a multidão queria solto, se Jesus ou Barrabás, a multidão exigiu a libertação do rebelde e a crucificação do pregador. "Por que?", pergunta Pilatos, ao que a multidão responde "crucifique-o".

Segundo Marcos, era costume do governador Romano durante a festa da Páscoa, libertar um prisioneiro para os Judeus, mas fora dos evangelhos não existe nenhum outro documento que comprove esse costume. Mas não é só isso que torna inacreditável esse episódio. Pilatos era conhecido por seu ódio aos Judeus, pelo total desrespeito aos costumes judaicos, a ponto de ter sido registrada em Roma uma queixa formal contra ele. Então por que Marcos inventou uma cena tão fictícia?

Segundo Aslan a resposta é simples: Marcos não escreveu para um público Judeu, Seu público se encontrava em Roma, onde ele próprio residia. Seu relato sobre a vida de Jesus foi escrito poucos meses depois da destruição de Jerusalém. Assim sendo Marcos teve que interpretar de outra forma a mensagem revolucionária de Jesus; isso implicou no distanciamento de Jesus dos movimentos de independência judaica, apagando todos os sinais de radicalismo, violência, revolução, fanatismo da história de Jesus.

Para a revista Veja de 18/04, os Judeus que acreditaram na ressurreição tornaram-se cristãos, os que não acreditaram a trataram como blasfêmia. Aslan foi mais longe: eles tiveram que optar entre manter suas relações com a religião mãe e continuar sendo perseguidos por Roma, ou transformar seu Messias de um nacionalista Judeu em um pacifista pregador de boas obras, cujo reino não era deste mundo.

Com a destruição de Jerusalém o movimento cristão mudou para as cidades greco romanas do Mediterrâneo: Alexandria, Corinto, Éfeso, Damasco, Antioquia, Roma, e quando os evangelhos foram escritos o alvo principal da evangelização cristã tinha mudado de foco. Ele visava principalmente a elite intelectual romana.

Daí a criatividade dos evangelistas. Todos os vestígios revolucionários tiveram que ser removidos da vida de Jesus, e sua morte passou a ser creditada aos Judeus. Os romanos não foram mais que peças inocentes do Sumo Sacerdote Caifás, que queria Jesus morto mas não possuía as ferramentas para fazê-lo. Pilatos foi ludibriado por Caifás, já que queria salvar Jesus mas teve que se render ao clamor dos Judeus.Segundo Mateus, Pilatos teria inclusive sido avisado por sua esposa para não se envolver com aquele homem inocente, de quem as autoridades religiosas, por puro ciúme, estavam exigindo a morte. "Eu sou inocente do sangue desse homem", teria dito Pilatos. "Cuidai disso vós mesmos". Na leitura de Mateus os Judeus responderam iriam aceitar a culpa pela morte de Jesus, daquele dia até o final dos tempos (Mateus 27:1-26).

Lucas, escrevendo de Antioquia, confirma a isenção de Pilatos e estende essa isenção para Herodes Antipas (Lucas 23:13-15). Já no evangelho de João, escrito depois de 100 DC, o próprio Jesus se encarrega de tirar de Pilatos a responsabilidade de sua morte: "Aquele que me entregou a ti é culpado de um pecado maior"

O negócio chamado Religião precisa, no jargão economês moderno, de um plano. No caso presente, para ter perspectivas de crescimento, era necessário tirar de Roma a responsabilidade da morte de Jesus, e isso foi feito com competência. Existe uma religião com 15 milhões de seguidores, 1,2 milhões no Brasil, a dos Mórmons, que acreditam que Jesus esteve nos Estados Unidos. Os evangélicos brasileiros, talvez motivados pela carência de serviços de saúde no nosso país, fizeram do milagre ao vivo na TV o seu grande atrativo. Maomé recebeu o Anjo Gabriel, como já vimos anteriormente. Enfim, é necessário que se tenha um foco, e no caso presente o foco foi transformar o cristianismo na religião oficial do Império Romano.

Só tem um porém: ao retirar dos Romanos a responsabilidade pela morte de Jesus, um povo inteiro passou a ser perseguido sob a acusação de deicídio. A perseguição implacável perdura até os dias de hoje. Vou terminar este Post com a citação de Theodor Herzl, o Pai do Sionismo, em seu livro "Der Jugenstaat (O Estado Judeu, 1896):

"Nós somos um Povo. Nós sinceramente tentamos em todas as partes nos unir com as comunidades nacionais onde moramos, buscando tão somente preservar a fé dos nossos pais. Não nos foi permitido. Somos patriotas leais em vão, às vezes super leais. Em vão fazemos os mesmos sacrifícios de vida e propriedade que fazem os nossos conterrâneos. Em vão nos empenhamos em realçar a reputação das terras onde nascemos, nas artes e nas ciências, ou na riqueza nos negócios e no comércio. Em nossas terras natais, onde vivemos por séculos, ainda somos desprezados como forasteiros, muitas vezes por pessoas cujos ancestrais ainda não tinham chegado nos tempos em que os suspiros Judeus eram ouvidos no país. A opressão e a perseguição não podem nos exterminar. Nenhuma nação na terra suportou tanta luta e sofrimento quanto nós. A Palestina é a nossa Pátria inesquecível".

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