Pular para o conteúdo principal

O Ajuste Fiscal

Quando estava em plena forma na minha vida profissional, 30 anos atrás, tinha que viajar com certa frequência para o Silicon Valley na Califórnia, para terminar projetos iniciados aqui. Na LSI Logic, em Milpitas, conheci o Bill, que vinha do Texas fazer a mesma coisa que eu, e com ele fiz amizade, a ponto de marcarmos encontros por lá. Com ele aprendi muito sobre a vida americana. Ele era uns dez anos mais velho que eu. Os Estados Unidos estavam passando por uma forte depressão, e ele um dia, durante um almoço, se saiu com essa:

-"A depressão, Louis (era como ele me chamava), é um estado da mente da Nação, como acontece conosco. Para curá-la são necessários remédios que a Economia sozinha não tem. O mais importante é recuperar a confiança da sociedade nas ações do governo".

Vimos no Post passado que as 10 receitas da Empiricus para concertar o Brasil tinham muito do que o Bill falou. Todas as 10 ações visavam recuperar a confiança da sociedade, a um custo muito baixo e talvez até negativo. Algumas pouco tinham a ver com a Economia: a da meritocracia, a dos blogs sujos, da da eliminação dos cargos comissionados, seriam uma resposta ao anseio do povo por serviços melhores, pela volta ao diálogo e pelo fim da corrupção endêmica.

Daí eu achar que o Ajuste Fiscal tem pouca chance de ser bem sucedido. Espero ansiosamente estar equivocado, mas o que eu vejo na sociedade é um sentimento triste de ver que, mais uma vez, a conta vai toda cair no colo dela. O senador Álvaro Dias foi preciso nesse diagnóstico: ele considera o Ajuste Fiscal um "Ajuste de Contas" para a sociedade, já que o arrocho, o aumento de tributos e a perda de benefícios não têm contrapartida do poder público. É inaceitável transferir para a sociedade a toda responsabilidade de uma crise da qual ela na verdade é a vítima. O governo coloca a mão grande no bolso do contribuinte. Os cortes anunciados até aqui são apenas em investimento, e nada foi enxugado dos excessos da máquina pública.

Ao mesmo tempo em que retira R$ 7 bilhões da Educação, o governo transfere R$ 30 bilhões para a caixa de pandora do BNDES, caixa esta que já recebeu desde 2009 R$ 360 bilhões, que não se sabe ao certo para onde vão (parte vai para outros países dirigidos por corruptos e ditadores), não há contas a prestar.

Minha empregada doméstica C. trabalha conosco há 17 anos. Entra às 8 e sai às 12. Vai direto para o seu segundo emprego, sem almoçar (nunca vi a C. comer nada nos 17 anos em que trabalha conosco, vive num eterno Ramadã), e de lá segue direto para passar roupa no terceiro emprego. Com a conta de luz subindo 36% em 2015 (IBGE), foi a campo e conseguiu uma faxina no sábado e outra no domingo.

C. na verdade é o governo da sua família. Ela trabalha para sustentar a sua casa que é cheia de descendentes, de filha a netas e bisneto, mais os agregados, que formam a sociedade que ela tem que assistir. Só que tem um detalhe: C. tem voz ativa, tem credibilidade, os cidadãos que vivem em torno dela se vêem quase que obrigados a dar a sua contrapartida: banho mais curto, chuveiro no verão, netas procurando emprego, etc. Proponho C. para uma consultoria especial no Ministério do Planejamento

Estima-se que nesse Arrocho para o qual fomos empurrados nós, a sociedade, vamos entrar com 84%, e o governo até agora só com 16%. O jogo está muito desequilibrado, daí a falta de credibilidade no poder público em resolver o problema por ele criado.

Fora isso existe o tal Fogo Amigo. É difícil acreditar no Edinho Silva na Secretaria de Comunicação Social defendendo o Ajuste. Quando da sua nomeação ele se saiu com essa pérola:

“Serei um gestor extremamente zeloso para garantir a boa utilização dos recursos públicos e fazer com que as campanhas cheguem ao maior número possível de pessoas, levando em conta a diversidade etária e cultural, as regionais, para que a maior parcela possível da população possa ter acesso aos feitos e realizações do governo” (tradução: as peças publicitárias vão apenas para a mídia que podemos controlar).

O Tarso Genro, petista de primeira linha, veio com outra joia durante o programa do Mário Sérgio Conte na GloboNews:

"Se a esquerda tem que usar as ferramentas da direita para resolver o problema da economia, ela perde totalmente a sua razão de ser". 

Senhor Genro, vai ser difícil o senhor achar pelo resto da vida uma frase mais adequada para definir a situação do seu partido e da sua ideologia: eles perderam a razão de ser, e têm que recorrer às receitas ortodoxas para devolver à sociedade aquilo que dela foi tirado. Só que existe uma pegadinha nisso tudo: "Vamos colocar um cara sério da direita na Economia; ele vai fazer o trabalho sujo do arrocho, nós não vamos fazer absolutamente nada, o arrocho não vai funcionar e a culpa vai cair sobre ele".

O descontrole com as contas públicas não é prerrogativa da esquerda, se bem que em nosso continente ela se julga dona desse monopólio. Podemos no entanto citar o presidente George W. Bush como um direitista altamente graduado nesse ofício. No nosso caso o que estamos presenciando é um confisco adicional da margem das empresas e das famílias para suportar a despesa pública improdutiva. Em vez de congelar ou iniciar uma gradual diminuição da carga tributária, o que vamos ver é mais um aumento da mesma, que já se encontra em torno de 37% do PIB.

A Veja desta semana traz uma reportagem sobre um dirigente que fez a lição de casa. David Cameron recebeu a Grã Bretanha em 2010 com o PIB em queda de 6,4% em 3 anos, taxa de desemprego de 8,5%. Nos seus 4 anos de governo o PIB cresceu 8% e o desemprego caiu para 5,7%. É de um dirigente assim que estamos precisando.

A hora da verdade vai chegar em breve com a aprovação do PL 4330, o qual regulamenta a terceirização no país. O governo e a bancada do PT são contra o projeto de lei, que vai enfraquecer os seus sindicatos. Estima-se que o impacto dessa lei na economia será enorme, porque ela vai acabar com a insegurança jurídica nessa área sensível. Para se dar uma ideia dessa insegurança basta ver que existe decisão judicial que as empresas de telefonia não podem terceirizar o call center (os call centers das empresas americanas estão na Índia ou nas Filipinas), que a Petrobrás não pode terceirizar o abastecimento de suas aeronaves. Dos 3 milhões de processos trabalhistas que chegaram aos tribunais em 2014, 1 milhão são referentes à terceirização. O fim dessa insegurança, segundo a FIESP, pode acarretar na abertura de 3 milhões de postos de trabalho.

Vamos ver o que o governo vai fazer com essa lei quando ela for aprovada. Aí é que vamos ter a certeza do que o governo quer, se governar ou apenas se manter no poder.

P.S. - Tem também o problema da maioridade penal, mas isso fica para outro Post. 

Comentários

  1. Imagino-o de volta à terrinha depois de sua visita ao "outback". A sua crítica tem aquele defeito clássico: é lógica demais.Não há competência nem vontade política dos petralhas para mudar o rumo do Brasil. Eles se acham emissários divinos para levar o "povo" à terra prometida do socialismo. Eduardo Levy hoje TEM que ser suportado e até prestigiado - termo muito em voga no futebol para se anunciar a demissão próxima de um técnico - porque sem ele não há sobrevivência a curto prazo. Tão logo os petralhas achem que emergiram com a ponta do nariz da merdice geral vão tenar levar tudo o que era como dantes no quartel de Abrantes. Pode ser, mas ainda sinto aromas de pizza no ar, que a Lava Jato ainda quebre o que resta dos escombros do PT, mas a longa demora só favorece o "esquecimento" da sociedade. A inflação também pode tirar os favorecidos com o populismo petista das suas zonas de conforto; pode ser. De qualquer modo, bemvindo.

    ResponderExcluir
  2. Caro De Assis. O que está acontecendo com o nosso país é algo cuja gravidade vai além desse desgoverno que está nos castigando. É aquela sensação de que já batemos no topo e que não há uma saída visível para o enrosco em que nos metemos. Votar no Lula uma vez, tudo bem, foi um erro; mas nós votamos nele de novo, e votamos duas vezes na poste que ele colocou lá. São 4 erros consecutivos, fora os que cometemos ao eleger esse legislativo de cooptação. Vai ser difícil sair dessa. Vamos ver.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Sobre a Democracia

Dificilmente iremos encontrar uma palavra mais sujeita às mais variadas interpretações como a do título deste Post. O exemplo maior entre tantos outros talvez seja a República Popular Democrática da Coréia , vulgo Coréia do Norte, que recentemente executou 30 funcionários da sua agência do clima por não terem previsto as fortes chuvas que assolaram o país. Para dirimir esta questão a Economist Intelligence Unit (EIU) , da revista inglesa The Economist - a mesma que criou o já famoso Big Mac Index, que avalia a paridade do poder de compra das moedas - criou em 2.006 o Democracy Index,  para examinar o estado da democracia em 167 países. O resultado está mostrado no mapa abaixo: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_democracia#:~:text=Na%20avalia%C3%A7%C3%A3o%20mais%20recente%2C%20divulgada,a%20pior%20nota%2C%20com%200.26. Em fevereiro passado saiu a sua nova versão, o Democracy Index 2023, que sem muita surpresa classificou as 167 nações avaliadas e deu a relação das dez melh...

Sobre o MERCADO

Em uma reunião recente onde grandes representantes do Mercado estavam presentes, surgiu aquela frase que, quando chegou a mim, me levou a considerar apresentar aos meus poucos seguidores a minha visão do que entendo como Mercado. A frase foi a seguinte: "O Brasil só tem um problema, é o Problema Fiscal" Simples assim. O que leva um observador externo a concluir que uma vez resolvido este problema a desigualdade imensa com a qual convivemos irá aos pouc os ser amenizada. Para demonstrar quão limitada é a visão do que chamamos de Mercado vamos colher alguma noção do que ele tenta nos ensinar a seu respeito. Academicamente, o Mercado é definido como o processo de interação humana de troca voluntária de bens e serviços. Assim sendo ele envolve praticamente tudo o que conhecemos, nós somos parte dele e contribuímos de alguma forma para o seu funcionamento.. Por exemplo eu gosto imensamente de ir ao Mercado Municipal de Campinas. Sempre entro nele pela área das peixarias com seu ch...

O Gás Carbônico

Meu penúltimo Post, aquele sobre as COPs, não teve até agora a quantidade de acessos que eu entendo que merece, dada a sua importância (só 146 ). Como a média de acessos deste Blog gira em torno de 600 por Post, só posso concluir que este assunto ainda não desperta muita atenção. Mas pelo menos ele teve comentários. Para mim o comentário é importante, já que ele desperta em quem leu o Post a vontade de participar do assunto.  O comentário do Roberto me deixou feliz, porque segundo ele o Post trouxe de volta uma questão que ele já tinha enterrado. Valeu então a pena o tempo que perdi em escrever o Post se convenci um amigo a voltar a pensar na mudança climática. Mas u m comentário em particular me leva a voltar a falar dela. Meu amigo Alex escreveu: Pelo que me lembro, na atmosfera há (números redondos, já que minha memória fraqueja) 71% de Nitrogênio, 21% de Oxigênio, e algo como menos de 1% de Gás Carbônico. Como esse desgraçado CO2 pode ter tal influência? Este comentário faz tod...