O Aedes Aegypti, ou o Odioso do Egito, sem dúvida é o assunto do ano, quem sabe da década ou mesmo do século. Ao mesmo tempo trata-se da maior prova da nossa incompetência como nação de lidar com um problema dessa gravidade. Quando dizemos que ele está ganhando a luta cometemos um tremendo engano, porque não há luta; o que há é um inseto importado talvez desde os tempo da escravidão, que deita e rola sobre as nossas comunidades, a cada ano transmitindo mais uma grave doença.
Os dados que iremos ver aqui são de fonte altamente fidedigna; não se trata de coisa colhida da boataria da Internet, onde os mal intencionados chegaram ao cúmulo de afirmar que o aumento dos casos de microcefalia se deve ao advento dos mosquitos modificados.
1 - Comecemos com um colunista do Estadão que eu costumo ler todos os sábados, o biólogo Fernando Reinach. Segundo ele, com uma população de 320 milhões, nos Estados Unidos nascem todos os anos 3,9 milhões de crianças, das quais 25 mil são microcéfalas. Isso significa que 0,6% das crianças que nascem nos Estados Unidos recebem essa classificação.
Já no Brasil, com uma população de 204 milhões, nascem todos os anos 3 milhões de crianças. Vamos imaginar que a percentagem de microcéfalos aqui é a mesma da de lá (suposição otimista, já que o nosso clima e nossas condições de higiene são adversas). Nesse caso deveriam nascer todos os anos por aqui algo como 19.250 microcéfalos.
Só que o Ministério da Saúde acusa a notificação de apenas 147 casos de microcefalia em 2014. A pergunta então é: onde foram parar os outros 19100? Será que somos abençoados com uma taxa de microcéfalos de apenas 0,005% quando os americanos a têm em 0,6%. Será que a nossa saúde pública é assim tão melhor que a dos americanos?
Isso em grande parte explica a desconfiança com que a Organização Mundial de Saúde encara a certeza com que o nosso Ministro da Saúde, essa figura folclórica, garante que o zica é a causa do aumento desses casos no Brasil.
A informação que vem do Ministério da Saúde é tão enviesada que tudo é motivo de suspeição. Vejamos um exemplo. Em 17/11/2015 uma Nota Informativa redefiniu a microcefalia, considerando como microcéfala a criança que nasce com menos de 33 cm de perímetro craniano (o valor anterior era 34 cm). A mídia "caiu de pau" nessa decisão, e ninguém deu uma explicação razoável do porque desse relaxamento. Bastava ver que para os americanos a criança é considerada microcéfala se for menino e nascer com 31,9 cm de perímetro, ou menina com 31,5 cm. Esses números são tirados de uma distribuição normal (coisa de estatístico) que considera microcéfala a criança que tiver o perímetro dois desvios padrão ou mais abaixo da média, que é de 34,5 cm ou 33,9 cm para meninos ou meninas respectivamente.
Aqui não estamos dizendo que o zica nada tem a ver com o surto de microcéfalos que explodiu no país. O que queremos dizer é que o Brasil não tem dados que lhe deem credibilidade. Quem notifica 149 casos em um ano não está dando a menor atenção ao problema. Basta dizer que dos mais de 4000 casos detetados nos últimos meses, foram examinados 800 e cerca de 600 deles são crianças normais.
2 - Agora vamos passar para o que eu chamaria de "A Fogueira das Vaidades" dos pesquisadores envolvidos. O Brasil simplesmente não está compartilhando amostras suficientes e dados para pesquisadores determinarem se o zica está de fato ligado ao aumento dos casos de microcefalia. A falta de dados está forçando os laboratórios nos Estados Unidos e na Europa a trabalhar com amostras de surtos anteriores.
A legislação brasileira define como ilegal o compartilhamento de material genético de brasileiros, o que inclui amostras de sangue contendo o zica e outros vírus. Paulo Gadelha, presidente da Fundação Osvaldo Cruz, defende que "mesmo quando queremos mandar esse material para o exterior, não podemos, porque isso é considerado um crime".
Quatro autoridades da OMS, sob anonimato, afirmaram que o Brasil não está passando informação atualizada suficiente para seus parceiros internacionais. Seriam necessárias milhares de amostras para se rastrear o vírus e determinar como ele está se modificando.
Drausio Varela, em entrevista à GloboNews, tachou essa postura de absurda e chegou a sugerir que se trata de puro caso de briga pela primazia da descoberta da vacina.
3 - Pra terminar, vamos concluir que, para surpresa dos que condenam qualquer tipo de vacina, ela é a única maneira eficiente de combatermos a dengue, a chikungunya e a zica. O nosso nível cultural nunca vai nos dar a compreensão suficiente da gravidade do problema, a ponto de abdicarmos do nosso comportamento anti social. Basta ver que o maior criadouro de mosquito de Fortaleza é exatamente a ruína do Aquário que pelo jeito nunca vai ser terminado.
O infectologista Artur Timermann, em entrevista à Veja dessa semana diz que o papel da ciência não é acabar com o vírus, para ele uma missão impossível. O mosquito tem uma capacidade de adaptação sofisticada. Seu voo que era de 10 metros hoje já chega a 50 metros, ele tinha hábitos diurnos mas já é visto à noite, suas larvas hoje sobrevivem por 1 ano contra 3 meses tempos atrás. Para ele não há tecnologia que resolva essa briga a nosso favor.
Acontece que essa chamada da sociedade é politicamente correta, e medidas tais como o fumacê rendem votos, enquanto o esforço real para se chegar às vacinas sofre com a falta de verbas, porque a ciência não dá voto.
O pior de tudo isso é que dificilmente os países frios vão ter surtos equivalentes aos dos países tropicais, ficando o nosso pobre Brasil à frente dessas epidemias, com resultados terríveis para a sociedade em todos os campos. Acabo de ver na GloboNews que o Ministério da Saúde confirmou a morte por zica de uma mulher que faleceu um maio do ano passado. É isso que chamo de fazer barulho, ou com diria Shakespeare, "much ado about nothing".
Os dados que iremos ver aqui são de fonte altamente fidedigna; não se trata de coisa colhida da boataria da Internet, onde os mal intencionados chegaram ao cúmulo de afirmar que o aumento dos casos de microcefalia se deve ao advento dos mosquitos modificados.
1 - Comecemos com um colunista do Estadão que eu costumo ler todos os sábados, o biólogo Fernando Reinach. Segundo ele, com uma população de 320 milhões, nos Estados Unidos nascem todos os anos 3,9 milhões de crianças, das quais 25 mil são microcéfalas. Isso significa que 0,6% das crianças que nascem nos Estados Unidos recebem essa classificação.
Já no Brasil, com uma população de 204 milhões, nascem todos os anos 3 milhões de crianças. Vamos imaginar que a percentagem de microcéfalos aqui é a mesma da de lá (suposição otimista, já que o nosso clima e nossas condições de higiene são adversas). Nesse caso deveriam nascer todos os anos por aqui algo como 19.250 microcéfalos.
Só que o Ministério da Saúde acusa a notificação de apenas 147 casos de microcefalia em 2014. A pergunta então é: onde foram parar os outros 19100? Será que somos abençoados com uma taxa de microcéfalos de apenas 0,005% quando os americanos a têm em 0,6%. Será que a nossa saúde pública é assim tão melhor que a dos americanos?
Isso em grande parte explica a desconfiança com que a Organização Mundial de Saúde encara a certeza com que o nosso Ministro da Saúde, essa figura folclórica, garante que o zica é a causa do aumento desses casos no Brasil.
A informação que vem do Ministério da Saúde é tão enviesada que tudo é motivo de suspeição. Vejamos um exemplo. Em 17/11/2015 uma Nota Informativa redefiniu a microcefalia, considerando como microcéfala a criança que nasce com menos de 33 cm de perímetro craniano (o valor anterior era 34 cm). A mídia "caiu de pau" nessa decisão, e ninguém deu uma explicação razoável do porque desse relaxamento. Bastava ver que para os americanos a criança é considerada microcéfala se for menino e nascer com 31,9 cm de perímetro, ou menina com 31,5 cm. Esses números são tirados de uma distribuição normal (coisa de estatístico) que considera microcéfala a criança que tiver o perímetro dois desvios padrão ou mais abaixo da média, que é de 34,5 cm ou 33,9 cm para meninos ou meninas respectivamente.
Aqui não estamos dizendo que o zica nada tem a ver com o surto de microcéfalos que explodiu no país. O que queremos dizer é que o Brasil não tem dados que lhe deem credibilidade. Quem notifica 149 casos em um ano não está dando a menor atenção ao problema. Basta dizer que dos mais de 4000 casos detetados nos últimos meses, foram examinados 800 e cerca de 600 deles são crianças normais.
2 - Agora vamos passar para o que eu chamaria de "A Fogueira das Vaidades" dos pesquisadores envolvidos. O Brasil simplesmente não está compartilhando amostras suficientes e dados para pesquisadores determinarem se o zica está de fato ligado ao aumento dos casos de microcefalia. A falta de dados está forçando os laboratórios nos Estados Unidos e na Europa a trabalhar com amostras de surtos anteriores.
A legislação brasileira define como ilegal o compartilhamento de material genético de brasileiros, o que inclui amostras de sangue contendo o zica e outros vírus. Paulo Gadelha, presidente da Fundação Osvaldo Cruz, defende que "mesmo quando queremos mandar esse material para o exterior, não podemos, porque isso é considerado um crime".
Quatro autoridades da OMS, sob anonimato, afirmaram que o Brasil não está passando informação atualizada suficiente para seus parceiros internacionais. Seriam necessárias milhares de amostras para se rastrear o vírus e determinar como ele está se modificando.
Drausio Varela, em entrevista à GloboNews, tachou essa postura de absurda e chegou a sugerir que se trata de puro caso de briga pela primazia da descoberta da vacina.
3 - Pra terminar, vamos concluir que, para surpresa dos que condenam qualquer tipo de vacina, ela é a única maneira eficiente de combatermos a dengue, a chikungunya e a zica. O nosso nível cultural nunca vai nos dar a compreensão suficiente da gravidade do problema, a ponto de abdicarmos do nosso comportamento anti social. Basta ver que o maior criadouro de mosquito de Fortaleza é exatamente a ruína do Aquário que pelo jeito nunca vai ser terminado.
O infectologista Artur Timermann, em entrevista à Veja dessa semana diz que o papel da ciência não é acabar com o vírus, para ele uma missão impossível. O mosquito tem uma capacidade de adaptação sofisticada. Seu voo que era de 10 metros hoje já chega a 50 metros, ele tinha hábitos diurnos mas já é visto à noite, suas larvas hoje sobrevivem por 1 ano contra 3 meses tempos atrás. Para ele não há tecnologia que resolva essa briga a nosso favor.
Acontece que essa chamada da sociedade é politicamente correta, e medidas tais como o fumacê rendem votos, enquanto o esforço real para se chegar às vacinas sofre com a falta de verbas, porque a ciência não dá voto.
O pior de tudo isso é que dificilmente os países frios vão ter surtos equivalentes aos dos países tropicais, ficando o nosso pobre Brasil à frente dessas epidemias, com resultados terríveis para a sociedade em todos os campos. Acabo de ver na GloboNews que o Ministério da Saúde confirmou a morte por zica de uma mulher que faleceu um maio do ano passado. É isso que chamo de fazer barulho, ou com diria Shakespeare, "much ado about nothing".
Meus amigo Bruno Constantino, médico, me enviou um e-mail tendo em anexo dois artigos sobre o assunto, de duas importantes publicações:
ResponderExcluirhttp://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2816%2900273-7/fulltext#.VsSSnUhyxys.mailto
http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1600651#.VsSROiMtVb8.gmail
que certamente vão ser de grande valia aos que trabalham com o assunto.