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A Inflação de 6,29%

Quando o IBGE anunciou a inflação oficial de 2.016, o chamado IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), o que mais se ouviu foi algo do tipo: "essa inflação não é a minha". É verdade, essa inflação dificilmente será a de algum dos mais de 200 milhões de brasileiros. Só que é preciso que se entenda o que o IBGE faz para chegar a esse número, e a declaração acima não pode de forma alguma conter qualquer tentativa de suspeição a respeito da lisura do IBGE. Se chegarmos a esse ponto, como acontecia na Argentina dos Kirchner ou acontece na Venezuela, realmente teremos atingido fundo do poço.

Vejamos como o IBGE chegou a esse número. O trabalho é enorme: ele pesquisa o preço de 373 produtos, que vão desde o arroz até o aluguel de DVD, em apenas 13 cidades: Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Brasília, Belém, Fortaleza, Salvador, Curitiba, Goiânia, Vitória e Campo Grande. Se você por exemplo mora em Manaus, uma cidade enorme, ou melhor, se você mora em qualquer outro dos 5.557 municípios do Brasil, pode alegar que essa não é a sua inflação. Melhor ainda, se você por exemplo não comer arroz por motivo de saúde, ou não alugar mais DVDs, também pode usar esse argumento.

O que o IBGE a meu ver pretende com esses 373 produtos é apresentar uma média estatística. O fato dele não incluir a inflação das cidades do interior já compromete bastante esse número quanto á sua exatidão, mas se considerarmos que os critérios não mudam ao longo do tempo, a não ser por exemplo que o DVD saia do mercado, o que a Economia quer é um número que reflita como os preços evoluem, e isso eu entendo que o IPCA faz com competência.

Os 373 itens são divididos em 9 modalidades:
  1. Alimentação e bebidas com peso 25,83%, sendo que alimentação no domicílio pesa 17.00% e alimentação fora de casa pesa 8,83%.
  2. Habitação, com peso 15,37%, onde encargos e manutenção pesa 10,61% e combustíveis e energia pesa 4,76%.
  3. Artigos de residência, com peso 4,18%, móveis e utilitários com 2,14%, aparelhos eletrodomésticos com 1,68% e concertos e manutenção com 0,36%.
  4. Vestuário com 5,96%, roupas com 3,82%, calçados e acessórios com 1,77% e joias e bijuterias com 0,37%.
  5. Transportes com 17,95%, transporte público com 4,57%, veículo próprio com 8,26% e combustíveis com 5,12%.
  6. Saúde e cuidados pessoais com 11,63%, produtos farmacêuticos e óticos com 3,69%, serviços de saúde com 5,24% e cuidados pessoais com 2,70%
  7. Despesas pessoais com 10,73%, serviços pessoais com 6,63%, recreação, fumo e filmes com 4,10%.
  8. Educação com 4,65%, cursos regulares com 2,98%, leitura com 0,53%, papelaria com 0,35% e cursos diversos com 0,79%.
  9. Comunicação com 3,70%.
É claro que a classe média alta, ao ver os pesos atribuídos a esses itens, vai reclamar. Atribuir peso 4,65% à educação, com dois filhos em escola particular, "é brincadeira". Só que, caro leitor, você que certamente pertence ou pertenceu a esse grupo de pais de alunos em escola particular, precisa entender que você é uma minoria, e que é bem provável de 4,65% seja um número correto. Em 2.013 havia 8,6 milhões de alunos nas escolas privadas e 41,4 milhões em escolas públicas, e esses números estão pendendo para o lado das escolas públicas em função da crise por que passamos, e o IBGE talvez venha diminuir o peso do item Educação. 

O Estadão de 13/01 trouxe no seu Caderno de Economia um artigo de Alexandre Cabral, no qual ele alega que a inflação dele foi superior a 10%. Ele é casado, pai de gêmeas de 4 anos, e sua esposa trabalha fora o dia todo. Com base nesse perfil ele excluiu 152 itens da lista do IBGE, que incluíram por exemplo feijão mulatinho (ele é carioca e só come feijão preto, e o mulatinho subiu 101,59%), agrião (amargo demais segundo ele), fígado (não é anêmico), alguns tipos de frutos do mar (?), aluguel residencial (tem casa própria), etc. Os 221 itens que sobraram representam 67,5% da cesta do IBGE. Com isso ele redistribuiu os pesos proporcionalmente e a "sua" inflação pulou de 6,29% para 7,35% (sempre considerando a variação do IBGE, não a dos lugares onde ele efetua as compras ou faz os pagamentos dos serviços). Em seguida ele atacou os itens nos quais ele tem um bom controle, e chegou à conclusão que por exemplo que o item Educação na verdade representou 14,3% do seu orçamento. Com base nisso ele concluiu que para a sua família a inflação foi de 10,37%. 

inflação dele, como a de qualquer brasileiro, depende essencialmente dos itens que ele consome e, se ele tem as ferramentas à mão, do peso particular que esses itens têm na sua cesta. Cada família tem o seu índice de inflação, e para o IBGE estar certo a inflação do IPCA tem que ser a média nacional, ou seja, é preciso que cerca de metade dos brasileiros tenha a sua inflação inferior à do IPCA.

Existe ainda um fator psicológico. A nossa memória guarda melhor as coisas que nos agridem. Sempre nos lembramos da disparada dos preços. Por exemplo, eu cheguei a tirar a foto do tomate sendo vendido a R$ 14,00 na frutaria perto de casa, mas hoje, na mesma frutaria, não me passou pela cabeça fotografar o tomate sendo vendido a R$ 4,00 (detalhe: os perecíveis dessa frutaria são caros e muito bons). 

A mudança do poder aquisitivo dos brasileiros em função da crise por que passamos vai mexer com a tabela do IBGE. A classe média em geral fugiu da escola particular e do plano de saúde, e fez isso exatamente para diminuir o valor da sua inflação. Esse fenômeno ocorre ao longo do ano, ou seja, você pode iniciar o ano com uma inflação e terminar com outra. Por exemplo, se você for demitido e demorar a conseguir emprego a sua inflação certamente vai diminuir.

Outro fator importante é a mudança de hábitos. Depois de várias vezes sendo incomodado nas salas de cinema por mal educados que não paravam de comer pipoca e conversar, resolvi aderir de vez ao NOW da NET e à Netflix, e isso impactou o meu item Despesas Pessoais. Deixar de fumar, além de impactar a inflação futura no item Saúde, tem grande importância no item Despesas Pessoais.

A conclusão a que podemos chegar é que não faz sentido ligar o IPCA diretamente ao que você sente na evolução dos preços dos produtos que você consome. A nossa rotina de despesas é como uma impressão digital que pertence somente a nós. O IPCA, pelo contrário, é uma imensa base de dados que vai nortear os agentes econômicos na sua tomada de decisão. Pelo que estamos vendo. esses agentes acreditam da lisura dos dados que formam o IPCA, e isso é que importa. 

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