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A Reforma Trabalhista

O Caderno de Economia do Estadão de 26/12 traz uma reportagem da maior importância a respeito da Justiça do Trabalho no Brasil. Segundo ela, apenas em 2.016 o País ganhou 3 milhões de ações trabalhistas. O jornal já tinha previsto esse número em 10/05, dizendo que ele iria significar um aumento de 13% em relação às 2,66 milhões de ações em 2.015.

É claro que o ingrediente que causou esse aumento foi a crise econômica, mas o presidente do TST, Ives Granda Martins, soma a esse fato a dificuldade que terá em lidar com ele, devida à redução de 90% nas despesas de investimento e de 29,4% nas de custeiro no orçamento da Justiça do Trabalho. Não existe da parte dos responsáveis por essa verdadeira jabuticaba nenhuma iniciativa no sentido de mudar a forma como esse assunto é tratado no Brasil.

Os principais motivos que levam a esse número astronômico são a cobrança de verbas rescisórias, o pagamento de horas extras, o adicional de insalubridade e o recolhimento do FGTS. Mas a coisa não para por aí. Vejamos alguns casos:
  • A Volkswagen emprega 18 mil pessoas e é uma das campeãs em acionamentos na Justiça com cerca de 30 mil processos em andamento. Um deles pede indenização pelo fato dos funcionários lavarem seus uniformes em casa, com isso gastando água, sabão, energia e mão de obra. São pedidos para cada funcionário R$ 12 mil pelo serviço nos últimos 5 anos, sob a alegação de que não pode ser transferida ao funcionário a obrigação de manter limpo o uniforme que é obrigado a usar. A Justiça recusou o pedido em primeira instância, considerando que o trabalhador teria que lavar qualquer roupa que usasse para ir trabalhar. Houve recurso que ainda não foi julgado. De 1 a 2% da receita da Volkswagen é reservada para as ações trabalhistas. Na sua unidade da África do Sul ela não passa de 0,2% e na Europa é praticamente zero. Segundo o presidente da empresa, David Powels, essa postura é um forte fator desmotivador de investimentos no País. 
  • Os cinco maiores bancos do País, Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú/Unibanco e Santander, respondem por 130 mil processos. No ano passado pagaram indenizações que chegaram a R$ 5,6 bilhões. Vejamos esse caso do Itaú: o banco emitia um cartão de crédito com a marca de um supermercado. Uma funcionária do supermercado, que ganhava R$ 720 mensais, abriu uma ação contra o banco pedindo equiparação com o salário de gerente do banco, alegando vínculo empregatício. A Justiça acatou a ação. O Santander cita casos em que teve que reintegrar funcionários porque esses alegaram ser diretores de cooperativas, que não eram mais que grupos que se juntavam para comprar cosméticos e ração animal. Como a lei dá estabilidade a diretores de cooperativas, a Justiça deu ganho de causa aos demitidos.
  • A Justiça quase sempre acata ações que pedem que seja computado o período que o trabalhador leva de casa ao trabalho em ônibus fretado, ou o período em que chegam mais cedo para tomar café na empresa. Segundo o próprio Ives Granda Martins, sempre que o trabalhador vai à Justiça sai ganhando alguma coisa. Isso me faz lembrar o tempo em que, na década de 1970, tinha um apartamento em Caraguatatuba e convivia com um vizinho que era dono de uma transportadora, com agências no Nordeste. Um funcionário em Salvador, que faltava muito ao trabalho, acabou sendo demitido porque se descobriu que ele era ao mesmo tempo funcionário da prefeitura da cidade. Ele recorreu da demissão e a Justiça de Salvador não aceitou o recurso. Como a sede da empresa era no ABC paulista, ele recorreu em São Paulo e ganhou o recurso aqui. 
Um escritório de advocacia com sede em São Bernardo do Campo é um exemplo de como agem os advogados na cata dessas indenizações. Tem 80 advogados e abre, em média 2 mil ações por mês. Tem 16 filiais em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, mais de 100 funcionários administrativos e uma equipe de médicos, fisioterapeutas e engenheiros. Com telefonemas para residências e envio de e-mails, presença na porta das fábricas, distribuição de panfletos, alegam que sempre se ganha algo com uma ação, e acabam ficando com algo entre 20 e 30% dela. 

Voltando ao Itaú, a reserva para ações trabalhistas equivale a 20% do lucro líquido deste ano. A sede tem academia, lanchonete e biblioteca, mas o seu uso teve que ser monitorado para evitar que o tempo passado ali entre na conta das horas extras. Um curso de inglês teve que ser cancelado pelo mesmo motivo. Já o Santander desliga os computadores fora do horário de expediente e apaga as luzes a partir das 20 horas. Uma indústria de autopeças cancelou o café da manhã depois que ex funcionários foram à Justiça pedir e ganhar horas extras pelo período gasto no café. Outra indústria de autopeças do interior do estado foi acionada para pagar hora extra pelo tempo gasto de casa ao trabalho por funcionários de cidades vizinhas e passou a contratar apenas funcionários locais. 

O caso da Renaut é emblemático. Ela instituiu o período de 40 minutos para o almoço em troca da dispensa do trabalho no sábado. Foi acionada pelo Ministério do Trabalho e a partir de janeiro adotará 1 hora de almoço e trabalho no sábado. Só que os funcionários resistem em trabalhar no sábado (talvez alegando "direito adquirido"). 

Os chamados PDVs, ou Programas de Demissão Voluntária, são um caso à parte. Esses planos oferecem um bônus a quem aderir voluntariamente a eles, além do pagamento dos direitos. O último PDV da Mercedes deu a cada voluntário R$ 100 mil, independentemente do tempo de trabalho. Só que a Justiça não reconhece que a adesão ao PDV quite todas as dívidas trabalhistas. Ou seja, os sindicatos, aprovam esses acordos para que seja evitada a demissão sumária, mas o STF, no ano passado, entendeu que a quitação de todos os encargos tem que constar do acordo.

Segundo o presidente da Mercedes, Philipp Schiemer, "não há nada parecido com isso fora do Brasil. Aqui o que se vê é um exército de advogados esperando o trabalhador ser demitido para entrar na Justiça. Oferecemos ônibus porque o transporte público é ineficiente, mas o funcionário entra na justiça exigindo que seja contado esse tempo no ônibus fretado e muitas vezes ganha".

Ao contrário do que se alega, a Justiça do Trabalho em si não é uma jabuticaba, ou seja, ela existe em outros países. Na Europa ela existe na Alemanha, na Bélgica, na Espanha, na Dinamarca e na Grã Bretanha. Vejamos o caso da Alemanha, a locomotiva da Europa. Lá temos os tribunais do trabalho na base, os tribunais regionais do trabalho em cada "Lander" (Região), e o Tribunal Federal do Trabalho. Na base temos os chamados "juízes benévolos" (classistas) representantes dos trabalhadores e dos empregadores. Só que ao contrário daqui, eles não recebem salário, mas apenas um indenização quando funcionam mais de seis vezes em trinta dias, além de uma remuneração para cobrir as despesas correntes. 

O Brasil tinha em dezembro de 2.015 o seguinte efetivo na Justiça do Trabalho:

Ministros do Tribunal superior do Trabalho: 27
Desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho: Providos 538, Vagos 29, Total 567
Juízes das Varas do Trabalho:
    Titulares: Providos 1.530, Vagos 57, Total 1.587
    Substitutos: Providos 1.527, Vagos 247, Total 1.774
    Total: Providos 3.057, Vagos 304, Total 3.361
Cargos Efetivos Previstos em Lei:
    Analista Judiciário: 16.953
    Técnico Judiciário: 26.114
    Auxiliar Judiciário: 221
    Total: 43.288
Funções e Cargos Comissionados Previstos em Lei
    Funções Comissionadas: 26.459
    Cargos em Comissão: 4.419

Fonte: Relatório Geral da JT: http://www.tst.jus.br/consolidacao-estatistica1

Para dar uma ideia de como esse contingente opera, a Vara da minha cidade, Campinas, possui previstos em lei:

    55 Desembargadores
    371 Juízes
    3.354 Cargos no Quadro Permanente

O Estado de São Paulo é o único que possui duas Varas, a de São Paulo e a de Campinas. A Vara da cidade de São Paulo tem previstos em Lei:

    94 Desembargadores
    603 Juízes
    5.904 Cargos no Quadro Permanente

Segundo José Roberto Guzzo na sua coluna da Veja de 29/10, a Justiça do Trabalho deu aos trabalhadores no ano passado um total de R$ 8 bilhões em benefícios, mas gastou nesse mesmo ano R$ 17 bilhões com suas próprias despesas de funcionamento. Ela custa, por ano, o dobro do que concede em ganhos de causa à classe trabalhadora. Seria então o caso de se extingui-la e reservar R$ apenas 8 bilhões do Orçamento para o pagamento direto aos trabalhadores das suas queixas, com uma economia de R$ 9 bilhões. 

"Como é possível que uma sociedade séria consuma duas unidades para produzir uma", diz Guzzo. Essa é uma extravagância que só se encontra por aqui, e isso é a prova maior da nossa capacidade de conviver com coisas absurdas, em sermos especialistas em obter o contrário do que queremos com as nossas iniciativas. Onde está a justiça em se gastar R$ 17 bilhões do dinheiro que é de todos os brasileiros para gerar R$ 8 bilhões, dinheiro esse tirado dos nossos empregadores, que em função disso, como já mostramos, se enfraquecem e demitem. 

"Apenas 40% dos brasileiros têm contrato de trabalho; os 60% restantes não têm acesso à Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho não faz mais que encarecer o emprego de tal forma que acabou por se tornar o estímulo principal para que não haja contratações. São função é tirar do público o dobro do que dá. Se você entende que esse sistema é uma conquista social, tudo bem. Você só não pode defender que esse sistema funcione". 

A minirreforma trabalhista pretende, sem mexer nesse monstro, reduzir um pouco o número de ações trabalhistas. Os chamados acordos coletivos, atualmente não reconhecidos pelo Judiciário, passariam a ser lei. Isso enfraqueceria a "indústria de reclamações". Não muito mais que isso pelo que entendi daquilo que li a respeito. Não existe nenhum argumento racional que possa levar alguém à contestação dessa proposta. Essa iniciativa teria como resultado proporcionar uma leve melhora na segurança jurídica nessa área que acabou por se transformar no maior obstáculo a uma convivência civilizada entre o Capital e o Trabalho. 



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