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Reformas não são Populares

Tenho algumas reformas a fazer em minha velha casa, que irão se somar às que já fiz desde que a comprei em 2011. O problema é que elas, algumas necessárias, vão me causar um enorme desconforto, e não sei por quanto tempo vou conseguir empurrar a decisão de implementá-las. 

Digo isso porque toda reforma, desde as mais simples até as mais complicadas, trazem consigo algum tipo de incômodo, que em geral é proporcional à sua importância. É isso que estamos presenciando com as reformas que estão sendo apresentadas pelo governo Temer. Em particular a Reforma Previdenciária, pelos números que apresenta a mais urgente, vai mexer com uma quantidade de brasileiros tão enorme e tão mal informada que só posso concluir que a sua aprovação vai ser um feito da maior magnitude, quaisquer que sejam os artifícios que o Governo utilizar e a concessões que venha a fazer. 

É sempre bom analisar esse tipo de situação a partir de um diagnóstico do entorno em que a reforma vai atuar. Ele não é o que podemos chamar e bom: 90% dos brasileiros não investem em previdência privada e apenas 38% têm algum tipo de poupança. Esse raio X revela uma sociedade que não tem a menor preocupação em poupar para o futuro; para ela isso nunca foi problema seu, e sim da vaca leiteira que possui o cofre infinito que irá sustentá-la na sua velhice. Não seria de se esperar outra coisa dessa sociedade senão uma forte rejeição à Reforma da Previdência; mais de 70% dos brasileiros são contrários a ela. 

O nosso modelo de previdência não se sustenta, principalmente com a mudança na demografia por que passamos, em que os brasileiros vivem cada vez mais. Em princípio ele é bancado pelos trabalhadores na ativa e pela sociedade em geral, quando ele apresenta déficit e o governo tem que intervir. Ele desestimula a poupança pessoal, na medida em que estimula o usufruto precoce dos benefícios que seriam reservados aos realmente necessitados. A idade média com que os brasileiros se aposentam é de 59,4 anos, enquanto a OCDE acusa uma média de 64 anos para os países que a compõem. Além disso, a chamada taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e o salário) é em média de 76%, contra 56% na Europa. 

Somem-se a isso as benesses que os nossos legisladores concedem em resposta a pressões das entidades de classe. As leis que são aprovadas para o benefício dos aposentados, dos trabalhadores, dos estudantes, e principalmente dos servidores públicos, tornam o Estado incapaz de fornecer os serviços públicos numa qualidade minimamente aceitável. 

Como diz Delfim Netto, "a lógica é o pior instrumento da política", e em geral a demagogia sempre leva vantagem sobre a aritmética. O brasileiro tem pouca motivação em poupar porque sabe que o Estado, por lei, tem o compromisso de bancar todas as necessidades básicas dele, razão porque a nossa taxa de poupança é uma das mais baixas entre os países emergentes. Ela gira em torno de 15% do PIB, enquanto na China ela é de 50%.

Como o brasileiro quase não poupa, somos obrigados a recorrer à poupança externa, pagando juros altíssimos em função da nossa avaliação pelas empresas de rating, e a aumentar os impostos. Calcula-se que a manutenção do sistema previdenciário atual sem a Reforma exigirá um aumento de 10% da carga tributária. 

Na sua coluna de 4 de maio no Estadão Celso Ming faz uma comparação interessante: ele alega que a quimioterapia é um mal necessário, seu índice de popularidade sempre será muito baixo. O mesmo acontece com as reformas; elas transtornam a vida, mas sem elas não há cura. 71% da população é contra, não por ser bem informada, mas por uma reação visceral, por entender que vai sair perdendo, sem conseguir explicar por que. Ele sabe que vai ter que trabalhar mais, mas se recusa a entender que sem isso o sistema quebra. 

Por saber disso o político em geral tende a passar ao largo da solução desses problemas, por entender que no curto prazo ele vai perder a próxima eleição. Quando no poder Dilma, através do seu Ministro do Trabalho Miguel Rosseto, anunciou que a Reforma da Previdência era prioridade do seu governo, mas hoje ela é sumariamente contrária a ela. 

Em 15 de dezembro passado escrevi um Post em que apresentei um quadro sobre o que deveria ser feito antes de jogar no colo dos brasileiros essa Reforma:

http://ceticocampinas.blogspot.com.br/2016/12/sobre-reforma-previdenciaria.html

Entendo que uma releitura vale a pena, mas basicamente o que sugeri foi:
  1. Acabar com os 65,2 bilhões de Reais que o governo perde com a Renúncia Tributária
  2. Fazer uma grande redução dos custos do INSS, que possui uma estrutura gigantesca de 2.228 unidades.
  3. Começar as mudanças através do funcionalismo público, que com 2,9% do total dos aposentados e pensionistas responde por 41,9% do rombo da Previdência. 
O alardeado rombo de 181 bilhões de Reais previsto para esse ano seria reduzido a algo em torno de 18 bilhões. É claro que isso não seria motivo para restringir a Reforma ao setor público. Contra a demografia não há argumento lógico, só político. A Reforma tem que ser feita, mas feita de uma forma mais justa. Gustavo Franco é a favor de que reformas desse porte sejam uma "pauta permanente", e que outras reformas serão necessárias para aperfeiçoar o sistema. As concessões que mudaram a proposta original do governo, como vivemos uma democracia, são necessárias para a sua aprovação, e o resultado disso tudo deve ser reavaliado constantemente. 

O envelhecimento da população acarreta um déficit entre os recursos que entram e aqueles que saem do cofre da Previdência, e estipular uma idade mínima é um passo fundamental para o equilíbrio das contas. A desinformação que aparece na Internet, promovida por sites que têm como objetivo gerar confusão nesse item, é enorme. Os dados abaixo são tirados da OCDE:
O que vemos é uma enorme concentração em torno da idade mínima de 65 anos. Há países que apresentam frações, como a Alemanha, onde em 2022 a idade mínima será de 67 anos. Já o tempo de contribuição, no caso brasileiro, será de no mínimo 25 anos, 10 a mais que o atual. Os países desenvolvidos são menos rígidos, e em alguns ele não existe: o trabalhador irá receber proporcionalmente em relação ao tempo que contribui. 

Está na mão dos nossos legisladores tornar a proposta inicial do governo menos "lógica" e mais "humana". Isso está sendo conseguido em parte, já que, mais uma vez parafraseando Delfim Netto, "Deus não foi bom com os economistas". As pressões do executivo, e até mesmo o golpe sujo, fazem parte do jogo politico em todos os países ditos "democráticos". Donald Trump é a prova cabal disso. 

Dizer que os nossos políticos não possuem autoridade para impor essa Reforma é tergiversar. O grau de convencimento de nossos representantes é tão bom quanto será boa a nossa disposição de sermos convencidos. É mais fácil ser estadista numa sociedade desenvolvida, motivo pelo qual os nossos "ridículos tiramos" proliferam tanto entre nós e nos nossos vizinhos. 




Comentários

  1. Excelente análise Luis. Ñão temos preocupação com o futuro, vivemos alegremente o presente, mesmo sem motivos para alegrar-nos.

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