O filme de horror em que se transformou o nosso processo político me leva a voltar os olhos para o processo eleitoral americano, que a essas alturas mais se parece com um filme do Rocky Balboa. Não dá para opinar em cima da tragédia em que se transformou o noticiário político brasileiro. Então vamos falar um pouco do que está ocorrendo nos Estados Unidos.
Por aqui é lugar comum se dizer que o processo econômico só tem salvação quando for encaminhado de forma satisfatória o processo político, e eu acredito nessa verdade. Só que nos Estados Unidos a coisa não está se encaminhado dessa forma. Senão vejamos:
Tanto Bernie Sanders quanto Donald Trump têm uma mensagem surpreendentemente parecida com relação á economia americana: ela está falida. Os dados no entanto não se encaminham nessa direção:
Por aqui é lugar comum se dizer que o processo econômico só tem salvação quando for encaminhado de forma satisfatória o processo político, e eu acredito nessa verdade. Só que nos Estados Unidos a coisa não está se encaminhado dessa forma. Senão vejamos:
Tanto Bernie Sanders quanto Donald Trump têm uma mensagem surpreendentemente parecida com relação á economia americana: ela está falida. Os dados no entanto não se encaminham nessa direção:
- Desde 2010 foram criados 14 milhões de empregos, o que levou o desemprego a cair para menos de 5%, e no ano passado tivemos a maior queda de pedidos de salário desemprego,
- O índice Dow Jones mais que dobrou no governo Obama, e as bolsas registraram um desempenho melhor que com qualquer outro presidente.
- O mercado da construção civil está sólido.
- As vendas de automóveis não param de crescer
- Os salários, depois de muito tempo, voltaram a subir.
Onde está portanto o ponto que leva os críticos republicanos e democratas a demonizar tanto o governo Obama? De acordo com a Veja dessa semana, ele está localizado em um grupo menor de pessoas que não estavam preparadas para a mudança que veio com a globalização da economia. Donald Trump, de forma hipócrita, tem atacado precisamente os temores advindos da globalização pra criar uma espécie de MST da direita, que não foi percebido, ou que foi talvez até incentivado, pela retórica fundamentalista republicana de não aceitar um presidente negro que, segundo alguns deles, sequer é americano.
Com a globalização os Estados Unidos perderam em poucas décadas boa parte de suas fábricas, voltando seu foco para os serviços, finanças, petróleo e tecnologia. Com isso as vagas na indústria caíram de 19 para 12 milhões. Acontece que as vagas criadas nos outros setores exigiam um trabalhador mais bem preparado que o do setor industrial. Essa horda de operários brancos, de baixa renda e com pouca educação, passou a culpar os políticos dos dois partidos pela situação a que foram levados.
As notícias do outro lado do Atlântico também não são boas. Os países que fizeram reformas estruturais, como Grécia e Portugal, ainda não tiveram as recompensas prometidas à custa do sacrifício de fazer essas reformas. Relativamente aos Estados Unidos, o paralelo que se faz é que existe um excesso de poupança e uma escassez de investimentos, que levam a uma diminuição dos gastos em infraestrutura, que gerariam empregos para essa camada de trabalhadores.
Bernie Sanders, espertamente, procura apoio da camada mais jovem da sociedade, prometendo a eles uma educação gratuita, entre outras coisas, com propostas que causam arrepios pelo imenso gasto de seus programas socializantes irão acarretar. O Brasil pode ser tomado como exemplo de que esses programas são importantes mas sem o suporte da economia, levados apenas pelo desejo populista, não vão muito adiante.
Um erro que tenho acompanhado pela mídia é o de se pensar que Donald Trump é um intruso, um arrivista, que tomou de ataque o Partido Republicano. Engano: ele é o produto acabado de uma retórica que há décadas demoniza a política americana, que tornou o governo democrata um inimigo a ser combatido em todos os níveis. Trump não é mais que o porta voz das camadas que não têm acesso ao establishment republicano, mas a mensagem é a mesma. Marco Rubio, o queridinho dos caciques, que acaba de sair da disputa, dizia com todas as letras: "vamos acabar com a ficção de que Obama não sabe o que está fazendo; ele sabe exatamente o que está fazendo".
O favorito do establishment não estava fazendo mais que chamar o Presidente Democrata de traidor. Trump faz a mesma coisa, só que de forma muito mais agressiva e sem o suporte dos caciques. Agora que Rubio está fora da corrida pela indicação, e Ted Cruz é tão inaceitável quanto Trump, os olhos estão se voltando para aquele que, segundo se diz, é o que tem mais condições de enfrentar os democratas, John Kasich, governador de Ohio, que foi ressuscitado por ter ganho as primárias no seu estado. Ohio é importante por que tratar de um dos poucos estados em que os votos oscilam entre democratas e republicanos, mas o povo está surpreso por ser informado que seu governador é "moderado", já que sua atuação como governador de moderada não tem nada.
Só que é tarde demais. Depois de atacar Trump por todos os lados, chamando-o de demagogo e perigoso, os republicanos, através do Wall Street Journal (que dias atrás declarou que se Trump se tornasse o porta voz dos republicanos o partido implodiria com ele), mudou de tom e concluiu que os republicanos a partir de agora devem tentar fazer Trump agir como um estadista, para impedir que seja vitoriosa outra candidatura da esquerda progressista.
Traduzindo em miúdos, os republicanos capitularam. Marco Rubio, que chamou Trump de impostor, acaba de declarar que apoiará qualquer candidato republicano. Isso faz sentido porque se Trump for rejeitado ele parte para uma candidatura independente, e estará declarada a morte dos republicanos.
Os dois partidos americanos são o que mais se aproxima da definição de partido: eles possuem uma representação de uma fatia da sociedade. Os negros, com base na atuação de Lincoln na defesa da libertação dos escravos, eram republicanos históricos. A debandada para o Partido Democrata se deu com a atuação de Barry Goldwater. se opondo à integração racial nas escolas. Os latinos em geral, com exceção dos cubanos da Flórida, são declaradamente democratas, e os candidatos republicanos, todos eles, fazem o possível para que eles não mudem de opinião. Mesmo na Flórida as coisas começam a mudar, com a nova geração de cubanos defendendo a iniciativa de Obama de se reaproximar do regime dos Castro.
Morei na Califórnia de 1982 a 1983. Não conheci nenhum brasileiro democrata na ocasião. Pra minha surpresa, amigos que lá deixei me escreveram dizendo que votaram em Obama. Os amigos nativos continuaram a votar republicano. Só que o eleitorado branco, segundo a Veja, diminui 2% a cada eleição, e em três décadas os brancos serão minoria.
Para sobreviver, os republicanos, que estão ganhado a partida de número de presidentes por 18 a 12, vão ter que mudar de estratégia. Com o Tea Party eles não irão longe.
Muito bom Luis, como sempre uma análise precisa e esclarecedora de uma situação que parece absurda mas não é. Pelo jeito a Hillary está bem na foto com a maioria do sistema mas o importante é o circo!
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