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Planejamento para a Aposentadoria

Tudo começou há onze anos quando me aposentei. Tinha amealhado um certo patrimônio, o qual, somado à aposentadoria do INSS, as aulas de piano da minha esposa e mais alguma entrada de uma firma de consultoria que iria montar, deveriam, assim esperava, proporcionar uma subsistência digna ao casal.
As filhas já tinham se casado e tomado seus rumos, logo as despesas não seriam grandes. Isso reforçava a minha idéia de que o bico da consultoria teria que ter o seu lado de realização pessoal prevalecendo sobre o apelo material. Em outras palavras, eu queria me divertir com a consultoria, sem o enervante dia a dia da cobrança de resultados. Trabalharia por prazer, coisa que raramente tinha conseguido em ambientes em que a busca do poder sempre se sobressaia à realização.
A conclusão a que cheguei foi a de que eu teria que administrar muito bem o patrimônio conseguido ao longo de 35 anos, para não ter surpresas quando a velhice chegasse. Passei então a comprar tudo o que via nas livrarias a respeito do assunto. Devo dizer que, com o controle da inflação, o tema voltou aos livros e revistas, e existe bastante informação disponível.
Porque então poluir a bibliografia com mais um exemplar, ainda mais elaborado por uma pessoa que de antemão deve confessar, para a tranqüilidade da sua própria consciência, que quase nada entende de economia? Para que o leitor deste Blog não pense que era para agregar à aposentadoria do INSS mais uma fonte de renda, resolvi então pôr aqui as minhas idéias. Na realidade eu não me dei por satisfeito com o que li.
Uma visita a meu falecido Pai em Goiânia caiu como uma luva sobre os meus pensamentos de recém aposentado. Conversando com ele na varanda de sua casa, ele me veio com essa:
“Sabe o Seu João, vizinho da nossa amiga dona Sara? Aquele que tinha dois apartamentos no mesmo andar do prédio dela, morando num e alugando o outro? Pois bem; ele sofreu pressão da família para vender os apartamentos, aplicar o dinheiro da venda em fundo de renda fixa e morar de aluguel. Em pouco tempo liquidou com o que recebeu e está passando necessidades”.
Na cabeça de uma pessoa como o meu pai, com noventa anos, extremamente conservador, aquilo era um exemplo de má administração do patrimônio, e ponto final. "Então como imaginar que um bem de raiz vale menos que uma aplicação financeira?"
Fiquei algum tempo pensando no caso do Seu João, porque afinal eu corria o risco de vir a ser o próximo Seu João, e cheguei a algumas conclusões:
1.    Precisava com urgência aprender a avaliar qual era o meu patrimônio e como administra-lo de modo a me sair bem dessa minha última “grande” tarefa como administrador.
2.    O fato de o Seu João ter ficado na miséria talvez não tivesse muita coisa a ver com a mudança na aplicação do seu patrimônio, mas sim com o fato de que o imóvel tem pouca liquidez, se comparado com um fundo de investimento. Isso deve ter levado o Seu João a perder o controle do patrimônio, com as pressões adicionais dos parentes.
3.    Já que eu não estava satisfeito com o que li a respeito, era necessário que eu dedicasse algum tempo a essa tarefa de administrar o patrimônio.
Saltava à vista o fato que o tal patrimônio, se comparado com o que eu podia ter juntado nesses 35 anos, não me dava grandes credenciais para a empreitada. Alguns livros recomendam inclusive a contratação de um consultor. Isso é algo que não cabe muito bem em patrimônios pequenos como o meu; seria uma taxa a mais nas aplicações. Os gerentes de banco de forma geral, infelizmente, não estão devidamente preparados para qualquer tipo de aconselhamento. Eles sempre preferem orientar o cliente de forma a não receber nenhuma reclamação. Coisa do tipo: "Eu nunca aconselho esse fundo, porque ano passado ele não deu quase nenhum lucro e eu tive que ouvir um bocado". Os bancos de primeira linha têm assumido um comportamento elitista, isolando os clientes com maior depósito em agências vip, mas mesmo assim o problema persiste.
Os livros que tratam do assunto, por sua vez, vêm com verdadeiras armadilhas do tipo:
"Aplicações mensais por 30 anos de R$ 250,00, com taxas de retorno anual real de 8%, 10% ou 12%, possibilitarão uma renda mensal por 20 anos de R$ 3.140, R$ 5.432 ou R$ 9.080 respectivamente".
Para aqueles que estão planejando a sua aposentadoria para daqui a 30 anos, o que na realidade eu de certa forma fiz, existem várias inverdades nessa afirmação:
  • Em primeiro lugar, normalmente se quer viver mais que 20 anos a partir da aposentadoria, ou pelo menos ninguém quer fixar a data em que quer deixar de existir.
  • Alem disso, não existe taxa de retorno fixa de 8%, 10% ou 12%, ao longo de 30 anos. Os rendimentos dos fundos existentes não são constantes.
  • Isso sem falar na inflação. O valor presente de R$ 250 aplicados no fim 30º ano, com inflação de 5% ao ano, se reduzem a meros R$ 53, daí não podermos trabalhar em nossos cálculos com valores fixos da aplicação ao longo de 20, 30 ou 40 anos. 
E daí, como é que eu fico? Se eu tiver R$ 200 mil aplicados, de quanto eu devo dispor mensalmente, de forma a não perder o valor do capital aplicado, fazendo a retirada mensal crescer com a inflação? E os imóveis, como se comportam ao longo do tempo? Afinal, alugar um imóvel é melhor que vendê-lo e aplicar em fundo de investimento? Que fundo de investimento?
Todos estes questionamentos adquirem maior importância na medida em que você vê a sua capacidade de se recuperar de um golpe financeiro diminuir. Tanto assim que a velha regra que recomenda que o investimento de risco deve diminuir com a idade continua de pé. Algo como:
“Invista em risco o percentual de cem menos a sua idade do seu patrimônio”, e imóvel pode ser considerado investimento de risco.
Nesses onze anos me municiei de uma planilha de cálculo, a Excel, como poderia ter sido qualquer outra equivalente, e após muito exercício consegui chegar a um resultado que devo considerar como satisfatório. É essa experiência adquirida, algumas vezes até por um processo de tentativa e erro, que eu tentarei transmitir. Aos que não possuem intimidade com o computador, em particular com a planilha Excel, gostaria de dizer que, em primeiro lugar, o computador é um excelente companheiro do aposentado, e em segundo lugar que a planilha Excel é muito amigável. Nada que você não consiga assimilar com umas poucas horas de aula, dadas de preferência pelo seu neto. 
Primeiramente vamos tratar da importante tarefa de isolar os gastos do dia a dia do patrimônio (os seus bens de forma geral). Em seguida analisaremos a inflação e seu efeito sobre o patrimônio. Depois daremos algumas sugestões de como avaliar o patrimônio e como acompanhar a sua evolução. Vamos em seguida mostrar uma planilha que tentará definir a resposta à pergunta básica: "Qual pode ser o meu desembolso mensal?".
O Controle do Caixa
Digamos que a partir de hoje você decidiu se preocupar seriamente com a sua situação financeira na aposentadoria. A primeira palavra a ser aplicada nessa situação é disciplina. Você tem que aprender a isolar o seu dia a dia do seu patrimônio.
Minha filha iniciou sua vida profissional como micro-empresária. O negócio prosperou e ia muito bem, mas um belo dia ela descobriu que estava quebrada. É claro que entrou em cena imediatamente o “paitrocínio”, mas mais que isso, eu me propus a fazer uma auditoria na empresa e ver o que tinha acontecido, para que o fato não voltasse a suceder. O diagnóstico foi simples: havia uma relação incestuosa entre as despesas pessoais e as despesas do negócio, relação esta totalmente fora de controle.
Minha primeira orientação foi no sentido de isolar as duas coisas. Foram geradas ferramentas que isolaram a pessoa física da pessoa jurídica, e o controle das contas se efetivou rapidamente. É claro que estou falando de coisas que se constituem em lugares comuns para qualquer empreendedor, mas podem estar certos que boa parte dos insucessos nos pequemos empreendimentos decorrem da não obediência a este preceito tão simples.
Minha proposta é que, a partir da decisão de encararmos com seriedade o controle do nosso patrimônio, transformemos esta atividade em uma “empresa”, da qual seremos seu administrador. A primeira providência que iremos tomar será a criação do Caixa da Empresa, o qual se manterá isolado das despesas do dia a dia da Família. O que vamos sugerir é isolar o dia a dia em um determinado banco, que iremos chamar de Banco A, o banco da família, o qual será mantido isolado dos Bancos B, C, D, etc., os Bancos da Empresa. Podemos também, com disciplina, considerar a conta corrente como sendo da Família e as aplicações no mesmo banco como sendo da Empresa. Por clareza, vamos usar bancos diferentes.
Criaremos então a primeira planilha, de forma manual ou no computador, a qual será chamada de "Livro Caixa". Entenda que o Livro Caixa pertence à Empresa, não a você. Ele serve para que você avalie qual o dinheiro da Empresa em poder da Família.
Para evitar termos de Economês, de uma certa forma confusos, vamos definir para esta planilha cinco colunas. Elas se chamarão Data, Descrição, Entrada, Saída e Saldo. Nas linhas da planilha vamos descrever os eventos de Caixa.
Como exemplos de evento vamos citar alguns:
·         Eu estou decidido a aplicar mensalmente na Empresa 100% de tudo que eu ou minha mulher ganharmos. Este mês eu recebi R$ 5.700 na atividade de consultoria. Logo, na data de hoje, eu escrevo como entrada na Empresa o valor de R$ 5.700
·         A Empresa vai me pagar a título de pro-labore o valor de R$ 6.200, valor com o qual eu devo passar os próximos 30 dias. Nesta data eu devo registrar este valor como saída.
·         O INSS me pagou R$ 2.539 este mês. Trata-se novamente de uma entrada na empresa
Mais uma vez: este Planilha Livro Caixa pertence à Empresa e não a você, e em última análise ela vai registrar o fluxo de dinheiro entre você e o Banco A (da Família), e a Empresa e os Bancos B, C, ... (da Empresa). Resumindo,  estes três eventos tomariam na Planilha Livro Caixa o seguinte aspecto:


Data
Evento
Entrada
Saida
Saldo




2.444
30/9/2011
Consultoria
5.700

8.144
1/10/2011
Pro-Labore

6.200
1.944
3/10/2011
INSS Outubro
2.539

4.483

Traduzindo: A Família terminou o mês de Setembro de posse de R$ 2.444  da Empresa, e no dia 03 de Outubro estava de posse de R$ 4.483 da Empresa. Entraram R$ 8.239 e saíram R$ 6.200. Digamos que no dia 05/10 eu decido aplicar R$ 3.000 no Banco B da Empresa. Sairam então do Livro Caixa R$ 3.000, e ele fica assim:

Data
Evento
Entrada
Saida
Saldo




2.444
30/9/2006
Consultoria
5.700

8.144
1/10/2006
Pro-Labore

6.200
1.944
3/10/2006
INSS Outubro
2.539

4.483
5/10/2006
Aplicação Banco B

3.000
1.483

Ou seja, quando o Banco A efetuou um depósito no Banco B, ocorreu do ponto de vista do crédito do Caixa uma Saída de R$ 3.000 (a Empresa deixou de ter um crédito de R$ 3.000), o que resultou em um saldo de R$ 1.483. É claro que ficaria tedioso fazer aplicações toda vez que ocorresse uma entrada. Daí a existência do Livro Caixa, que permitirá o controle do fluxo de dinheiro entre a Empresa e a Família, com Saídas eventuais na medida em que este valor atinja um certo limite, por exemplo R$ 3000. É claro que a Família tem que levar em conta este crédito que a Empresa tem para com ela. É importante que a Família mantenha esse controle sobre o Caixa da Empresa, para o sucesso do empreendimento. É como se um executivo tivesse como dever principal manter a integridade financeira de sua Empresa.
Todo rendimento originado do patrimônio da Empresa pertence a ela, e deve ser tratado nos Bancos dela, não no Banco A. Se por exemplo você recebe no banco A o rendimento líquido mensal de um aluguel de R$ 600, com comissão de 8% para a Corretora, você irá receber R$ 552 no Banco A. Como quem recebe é a Família e o rendimento é da Empresa, este valor será lançado como Entrada no Livro Caixa:

Data
Evento
Entrada
Saida
Saldo




2.444
30/9/2006
Consultoria
5.700

8.144
1/10/2006
Pro-Labore

6.200
1.944
3/10/2006
INSS Outubro
2.539

4.493
5/10/2006
Aplicação Banco B

3.000
1.483
10/10/2006
Aluguel Setembro
552

2.035



A Família deve se lembrar destes eventos na ocasião da Declaração de Renda de 2006, e cobrar como Saida no livro Caixa o pagamento em impostos que ela possa ter que fazer decorrente desses rendimentos.
O lançamento mais importante no Livro Caixa é a Retirada Mensal, que chamamos de pro-labore, que você faz para custear as despesas da Família, e ela deve ser feita na forma de Saída: a Empresa retira do crédito que ela tem com você um determinado valor, por exemplo R$ 6.200, no primeiro dia do mês.
Cabem aqui as perguntas fundamentais:
  • Como chegamos e este valor de R$ 6.200?
  • Ele é constante no tempo?
  • Qual o impacto dele no patrimônio da Empresa?
É claro que até agora o que sugerimos foi uma simples operação de somar e subtrair, às vezes dividir e multiplicar, que poderiam facilmente ser feitas em um caderno no qual fossem feitas 5 colunas verticais. No entanto seria interessante que essa planilha constasse de um conjunto de planilhas de um programa tipo Microsoft Excel, porque assim ela poderia ser concatenada com as planilhas que veremos a seguir. É claro também que não é minha intenção exigir de um aposentado interessado no que estou apresentando um pleno conhecimento do Excel. Antes porém quero deixar clara a mensagem que tentei transmitir neste Blog:

 A administração bem sucedida do patrimônio do aposentado passa necessariamente pelo controle eficiente do Livro Caixa, que não é mais do que uma definição clara da fronteira entre a Família (você e os seus) e a Empresa (o seu patrimônio). Este controle é peça fundamental neste empreendimento.

Caso haja retorno sobre esse novo assunto, poderemos continuar com a nossa arenga sobre Planejamento da Aposentadoria. Caso não haja, ficamos por aqui. Bye.


Comentários

  1. Ninguém comentou ainda. No entanto é de extrema relevãncia. Gostaria de passar para meus filhos este sistema de planejamento de aposentadoria. Caso não tenha continuidade o tema no blog, me manda por email. Amaro

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  2. Tudo bem, Amaro. Parece que não deu Ibope. Vou preparar umas planilhas e te enviar. Um abraço.

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