Minha esposa está lendo um livro interessante, que eu devo ler quando ela deixar. Isso porque ela tem a mania de ler vários livros ao mesmo tempo: um para o banheiro, outro para a cama, mais um para o estúdio onde ela dá aulas de piano. Na cozinha ela lê o Estadão e o Correio Popular, e na sala a Veja.
Enfim, o livro a que me refiro é uma biografia de Galileu: Galileu Anticristo, de Michael White -Editora Record. Hoje dei uma olhada nele e li, seguindo um comentário dela, uma história que me impressionou:
Estamos em 1588. Galileu estava "duro". Pensava em deixar a Itália e procurar emprego onde fossem mais valorizadas as suas aptidões. Seu pai, Vicenzo, estava desenvolvendo um trabalho a respeito da relação entre a tensão das cordas e a sua sonoridade, trabalho este que deu origem à Teoria Musical. Galileu o ajudava nos experimentos. Usando diferentes pesos para alterar a tensão das cordas, concluiram que o som variava com o quadrado do inverso do peso utilizado, e não, como se imaginava desde os gregos, com o inverso apenas do peso.
Foi nessa época que ele recebeu um convite que iria mudar totalmente os seus planos de emigração. A Academia de Florença estava enfrentado um problema que a afligia há anos: qual seria a dimensão do inferno de Dante, o grande escritor florentino do século XIII? Vários clérigos e literatos haviam debatido o problema, até que o presidente da Academia resolveu convidar um filósofo para dar uma conferência, que iria agregar descrições empíricas e científicas ao assunto.
Galileu, um filósofo ainda inexperiente e pouco conhecido, foi convidado para dizer o que a filosofia e a matemática tinham a contribuir para elucidar as descrições de Dante. Por que ele tinha sido o escolhido é um mistério, mas o mais certo é que provavelmente ninguém teria aceito esta incumbência, e ela acabou sobrando para o necessitado Galileu.
O assunto da palestra: "Uma descrição do tamanho, do formato e da localização do inferno tal como retratado por Dante". O que hoje nos parece um absurdo sem limites era, para os intelectuais do século XVI, uma questão de suma importância, porque no entender deles Dante estava escrevendo sobre o inferno usando informações transmitidas diretamente por Deus. Vários livros já tinham tratado do assunto, mas nenhum com enfoque científico.
Galileu mergulhou no assunto, estudou as opiniões já publicadas, e lá se foi para o Palacio Médici cheio de confiança. Segundo ele:
"Há uma relação entre o tamanho de Dante e o tamanho do gigante Nimrod, na cova do inferno, e também entre Nimrod e o braço de Lúcifer. Desse modo, se conhecemos o tamanho de Dante e o tamanho de Nimrod, poderemos deduzir o tamanho de Lúcifer".
A partir das descrições detalhadas de Dante em Inferno, o braço de Lúcifer era 43 vezes maior que uma estátua de um gigante que havia na Piazza San Pietro, em Roma, e que essa estátua era 43 vezes mais alta que o próprio Dante. Daí calculou que Lúcifer media cerca de 1.800 metros de altura. Continuou usando relações matemáticas para demonstrar que o inferno era um espaço cônico e tomava 1/12 da massa da Terra, com seu vórtice no centro do planeta.
Foi aplaudido de pé. Na verdade ele estava sendo testado. Meses depois ele foi convidado e aceitou o posto de professor de matemática da Universidade de Pisa.
Esta história me fez lembrar um dos livros mais importantes que eu li: As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Ao contrário do que mostra o cinema, Gulliver não viajou apenas para Lilliput (uma ilha cujos habitantes eram extremamente pequenos, divididos em duas facções em guerra constante, crítica direta aos ingleses e franceses) e Brobdingnag (a terra dos gigantes, onde ele critica a mania de grandeza dos ingleses). Ele fez várias viagens, e cada uma delas era uma crítica a algum aspecto da sociedade da época. A que mais me divertiu foi a viagem à ilha de Laputa, que é uma crítica feroz à Royal Society, a academia de ciências inglesa. Como o método científico ainda não tinha sido definido, as mais estranhas idéias eram desenvolvidas e sempre havia alguém inteligente o suficiente para tirar proveito delas.
Pois muito bem. Se até Galileu tirou proveito das crendices da época para conseguir um emprego público, o que não dizer dos nossos vigaristas atuais? Qual seria o antídoto para tanta enganação? Quando se argumenta que só com educação se curam esses males, ouvimos que a educação é muito lenta no seu resultado, e que precisamos ser mais rápidos. Quem diz isso é também um enganador, que sabe que a mudança é e tem que ser lenta, e que forças muito importantes não têm o menor interesse nela.
Enfim, o livro a que me refiro é uma biografia de Galileu: Galileu Anticristo, de Michael White -Editora Record. Hoje dei uma olhada nele e li, seguindo um comentário dela, uma história que me impressionou:
Estamos em 1588. Galileu estava "duro". Pensava em deixar a Itália e procurar emprego onde fossem mais valorizadas as suas aptidões. Seu pai, Vicenzo, estava desenvolvendo um trabalho a respeito da relação entre a tensão das cordas e a sua sonoridade, trabalho este que deu origem à Teoria Musical. Galileu o ajudava nos experimentos. Usando diferentes pesos para alterar a tensão das cordas, concluiram que o som variava com o quadrado do inverso do peso utilizado, e não, como se imaginava desde os gregos, com o inverso apenas do peso.
Foi nessa época que ele recebeu um convite que iria mudar totalmente os seus planos de emigração. A Academia de Florença estava enfrentado um problema que a afligia há anos: qual seria a dimensão do inferno de Dante, o grande escritor florentino do século XIII? Vários clérigos e literatos haviam debatido o problema, até que o presidente da Academia resolveu convidar um filósofo para dar uma conferência, que iria agregar descrições empíricas e científicas ao assunto.
Galileu, um filósofo ainda inexperiente e pouco conhecido, foi convidado para dizer o que a filosofia e a matemática tinham a contribuir para elucidar as descrições de Dante. Por que ele tinha sido o escolhido é um mistério, mas o mais certo é que provavelmente ninguém teria aceito esta incumbência, e ela acabou sobrando para o necessitado Galileu.
O assunto da palestra: "Uma descrição do tamanho, do formato e da localização do inferno tal como retratado por Dante". O que hoje nos parece um absurdo sem limites era, para os intelectuais do século XVI, uma questão de suma importância, porque no entender deles Dante estava escrevendo sobre o inferno usando informações transmitidas diretamente por Deus. Vários livros já tinham tratado do assunto, mas nenhum com enfoque científico.
Galileu mergulhou no assunto, estudou as opiniões já publicadas, e lá se foi para o Palacio Médici cheio de confiança. Segundo ele:
"Há uma relação entre o tamanho de Dante e o tamanho do gigante Nimrod, na cova do inferno, e também entre Nimrod e o braço de Lúcifer. Desse modo, se conhecemos o tamanho de Dante e o tamanho de Nimrod, poderemos deduzir o tamanho de Lúcifer".
A partir das descrições detalhadas de Dante em Inferno, o braço de Lúcifer era 43 vezes maior que uma estátua de um gigante que havia na Piazza San Pietro, em Roma, e que essa estátua era 43 vezes mais alta que o próprio Dante. Daí calculou que Lúcifer media cerca de 1.800 metros de altura. Continuou usando relações matemáticas para demonstrar que o inferno era um espaço cônico e tomava 1/12 da massa da Terra, com seu vórtice no centro do planeta.
Foi aplaudido de pé. Na verdade ele estava sendo testado. Meses depois ele foi convidado e aceitou o posto de professor de matemática da Universidade de Pisa.
Esta história me fez lembrar um dos livros mais importantes que eu li: As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. Ao contrário do que mostra o cinema, Gulliver não viajou apenas para Lilliput (uma ilha cujos habitantes eram extremamente pequenos, divididos em duas facções em guerra constante, crítica direta aos ingleses e franceses) e Brobdingnag (a terra dos gigantes, onde ele critica a mania de grandeza dos ingleses). Ele fez várias viagens, e cada uma delas era uma crítica a algum aspecto da sociedade da época. A que mais me divertiu foi a viagem à ilha de Laputa, que é uma crítica feroz à Royal Society, a academia de ciências inglesa. Como o método científico ainda não tinha sido definido, as mais estranhas idéias eram desenvolvidas e sempre havia alguém inteligente o suficiente para tirar proveito delas.
Pois muito bem. Se até Galileu tirou proveito das crendices da época para conseguir um emprego público, o que não dizer dos nossos vigaristas atuais? Qual seria o antídoto para tanta enganação? Quando se argumenta que só com educação se curam esses males, ouvimos que a educação é muito lenta no seu resultado, e que precisamos ser mais rápidos. Quem diz isso é também um enganador, que sabe que a mudança é e tem que ser lenta, e que forças muito importantes não têm o menor interesse nela.
Fonte favor calcular a diametro da base do cone infernal e sua posição na superfície da terra. Provavelmente oscilando hoje em torno da linha do equador, proximo ao oriente médio e africa? Certamente longe do paraiso tropical latino americano. Os infernos de lugares e épocas, focos de grande sofrimentos, passaram. Deixaram herança de mudanças no entanto. Talvez o que falte para forjar um mundo melhor por aqui seja algo parecido. Ou não.
ResponderExcluirAmaro, quem fez estes cálculos foi o Galileu. Em tempo: Você recebeu as planilhas Excel sobre planejamento da aposentadoria? Na virada do Mês eu mando uma atialização.
ResponderExcluirRecebi, sei que vou morrer em 2027. Mais do que eu esperava. A Vera e a Dani estão interessadas e estamos estudando para aplicar nas finanças da família. Valeu.
ResponderExcluirJá estudei alguma coisa sobre Galileu na Unicamp, inclusive li a obra que definitivamente o lançou no ódio da "Santa Inquisição", "Diálogo sobre os dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico & Copernicano". Em outro livro "Galileu e a nova Física", de Pablo Rubén Mariconda e Júlio Vasconcelos,é mencionado o episódio do dimensionamento do Inferno perante a Academia Florentina em 1588. Foi uma cientista fantástico e há também uma peça interessantíssima, a íntegra da sentença da Inquisão contra Galleu, no livro de Bertrand Russell, "A Perspectiva Científica".
ResponderExcluirHá pouco li um livro interessante: Heresia, de S.J Parris. Trata da passagem de Giordano Bruno pela Inglaterra, numa época em que a rainha Elizabeth estava correndo risco de ser destronada pelos papistas. Bruno foi o porco e Galileu foi a galinha no presunto com ovos que foi o sistema heliocêntrico, e foi ainda mais longe: concebeu um universo infinito, com infinitas estrelas e planetas. Na pele de Galileu eu teria abjurado minhas crenças da mesma forma, mas entendo que dois mártires sobre esse assunto teriam abreviado a Inquisição.
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